Montessori considerava o processo de normalização o objetivo maior de todo o processo desenvolvido em suas escolas. A tal ponto que chegava a chamar as instituições que seguiam seu método de "escolas normalizadoras", de forma que é bastante razoável que nos perguntemos, sendo este o principal objetivo do método, o que nós, como professores, podemos fazer para atingí-lo. E a resposta nos vem em três partes: o adulto, o ambiente e a criança. É em três partes então que abordaremos o tema. O faremos de forma extremamente sucinta, porque a resposta real e completa para "como auxiliar a criança a atingir a normalização?" seria "utilizando o método Montessori". E como bom sabemos, todo o método não caberia em um só artigo de blog, por mais bem intencionados que sejamos.
O Adulto De todas as coisas sobre as quais temos poder no entorno da criança, talvez nós mesmos sejamos ao mesmo tempo o ítem sobre o qual tenhamos mais influência e também aquele cuja modificação nos tome mais tempo e esforço. É mais fácil modificar toda uma sala e transformá-la no ambiente físico ideal, com os melhores materiais e a mobília perfeita, do que transformar um só adulto no professor ideal para as crianças - e no entanto este adulto está dentro de nós mesmos, e finceiramente não nos custaria tanto quanto uma só estante de materiais da sala. Se o método de Montessori é, como ela disse ser, um de "observação, prudência e paciência", então devemos nos basear nestes pilares para moldar nossas ações, tendo em vista que nosso objetivo conosco é o já anunciado por nossa professora maior: "A preparação que nosso método exige do professor é o auto-exame, a renúncia à tirania. Deve expelir do coração a ira e o orgulho, deve saber humilhar-se e revestir-se de caridade". O auto-exame, a renúncia à tirania, o expelir ira e orgulho e o humilhar-se e revestir-se de caridade não são palavras vazias, nem palavras santas e inatingíveis por meros professores. São os capítulos de um manual de instruções, como é tudo em Montessori. Devemos permanecer atentos à criança, e para isso precisamos abrir mão do ponto de vista do observador e adotar o mais possível a perspectiva da observada. É necessário que percebamos a imensa função da criança na sociedade, que notemos suas principais dificuldades e que concluamos então que a melhor maneira de ajudar é por meio da adaptação de nós mesmos e do ambiente. Que não podemos influenciar a criança diretamente, mas que devemos auxiliá-la indiretamente em sua caminhada. Isto feito, teremos chegado ao professor planejado por Montessori. O Ambiente e o Material De todas as características delineadas por Maria Montessori para seu método, o ambiente talvez seja a mais óbvia. Quando chegamos a uma sala montessoriana, isto é evidente por itens de mobília e de material didático. No início, no entanto, "não havia método para ver, havia a criança", e foi ela que indicou o caminho a tomar. Assim, nossa atenção não deve se voltar totalmente para o ambiente ideal, mas para o ambiente que se mostra ideal para e com as crianças que temos na escola. Alguns princípios gerais do ambiente montessoriano, no entanto, costumam se manter: a mobília é sempre adaptada aos pequenos, sempre baixinha, leve e fácil de mover. A sala é decorada com discrição e um certo grau de minimalismo, com poucos elementos a disputar a atenção das crianças. Os materiais, assim como as plantas e outros objetos, são extremamente bem organizados, e devem ser mantidos assim ao longo do ano escolar, pelo professor e pelas crianças. E finalmente, é tudo muito limpo e bem iluminado, com janelas amplas para entrada de ar e de luz. Os materiais por sua vez, seguem três princípios maiores: primeiro, servem à manipulação do aluno, o que quer dizer que é a criança que os utiliza para trabalhar, e não o adulto. Por isso, nós os apresentamos e saímos de perto, permitindo inclusive que a atividade ocorra com erros, e prevenindo somente a má utilização, ou a utilização nociva do material. Em segundo lugar, eles são materiais simples, com o que chamamos de isolamento da dificuldade. Se temos como objetivo com um material determinado, auxiliar no desenvolvimento da visão por meio da apresentação das cores, então iremos apresentar um material que trabalha somente cores, e não tamanhos, pesos ou texturas. Uma dificuldade de cada vez. Por fim, os materiais devem conter em si o controle do erro, de forma que eles mesmos corrijam a criança e ela não consiga terminar a atividade se errar em algum ponto. O adulto não pode controlar este erro, e por isso há tão pouca correção em salas montessorianas - esta é uma relação que se estabelece entre o material e a criança. A Criança A criança é o único elemento do ambiente montessoriano sobre o qual não temos nenhum controle. A única maneira de controlá-la é por meio da tirania, e a esta nós não podemos recorrer. Assim, é necessário que busquemos, não controlar a criança, mas auxiliá-la a controlar-se. Nosso papel é ajudar a vida a se desenvolver da melhor forma possível. Se prepararmos bem o ambiente e o professor, isto acontecerá, aos poucos, com todas as crianças. Precisaremos intervir em conflitos e prevenir comportamentos cujas consequências possam ser desastrosas para a criança e seus colegas, no entanto, o desenvolvimento em si se dará de forma espontânea, e começará quando a criança se encantar pela primeira vez com o uso de um material. A criança que está em vias de readquirir seu equilíbrio natural apresenta algumas características e comportamentos em relação ao seu ambiente, aos colegas e ao professor. Estas são apresentadas no livro "A Criança" e citadas abaixo, como forma de finalização de nosso artigo sobre o mapa e a sinalização do processo de normalização. "Do que a criança gosta: - Repetição de exercícios - Livre escolha - Controle do erro - Análise do movimento - Exercícios de silêncio - Boas maneiras sociais - Ordem no ambiente - Cuidado com higiene pessoal - Treino dos sentidos - Escrita separada da leitura - Escrita antes da leitura - Ler sem livros - Disciplina em atividade livre. O que a criança rejeita: - Prêmios e castigos - Livros de exercícios para escrita - Lições em grupo o tempo todo - Programas e provas - Brinquedos e doces - Uma mesa do professor" Nesta lista podemos encontrar, em verdade, um manual resumido do próprio método de Montessori, e no entanto precisamos lembrar: isto teria de acontecer, já que o método foi estabelecido segundo aquilo que as crianças mostraram quando chegaram ao seu estado natural, que é um de equilíbrio. Necessariamente as características do método seriam aquelas apreciadas pela criança que já atingiu seu objetivo maior. "A primeira coisa a fazer, então, é descobrir a verdadeira natureza da criança e então auxiliá-la em seu desenvolvimento natural" (Montessori, A Criança, p.136).
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AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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