Hoje há muita informação sobre Montessori em português. Se dominamos mais uma língua, então encontramos mais incontáveis fontes sobre o método, sua aplicação, grupos de debate, páginas de venda de materiais concretos ou para impressão. Hoje é possível aprender muito sem nunca ter lido uma só linha da obra de Maria Montessori. Os cursos de formação em Montessori no Brasil transmitem muita informação sobre a teoria, a prática e a filosofia de Montessori, e exigem que se leia o indispensável, é verdade, vislumbrando um tempo em que os alunos lerão muito mais do que o exigido. Em tempos assim, nos quais há álbuns de apresentações prontos na internet, vídeos de apresentações de materiais e de palestras de educadores montessorianos no mundo todo, publicações em blogs sobre a disciplina na sala montessoriana e a conduta do adulto na escola e mesmo em casa, milhares de pessoas reunidas em fóruns online para debater questões tão pequenas quanto “Onde vocês preferem comprar os tapetes da sala de aula?” e tão imensas quanto “Alguém tem indicações de leitura sobre o equilíbrio entre a necessidade de controle do professore e a necessidade de liberdade da criança?” e discussões de casos específicos de crianças que precisam de uma ajuda que nós ainda não aprendemos a dar... Nesse tempo em que Montessori se torna um movimento mais do que nunca, e se move e se modifica, e se transforma e se adapta, e se redescobre de volta ao original, por que é tão importante lermos Maria Montessori? O método de Montessori foi desenvolvido com base em anos de observação científica, cuidadosa, do comportamento da criança e de seu desenvolvimento no ambiente preparado. Foi erguido pouco a pouco, para satisfazer todas as necessidades da criança pequena, intelectualmente, mas também emocionalmente, socialmente e psicologicamente. Ele é um todo completo, e não exige, a rigor, modificação alguma para dar suporte total ao desenvolvimento pleno do indivíduo humano. De fato, as descobertas e técnicas de Montessori, sua eficiência e o grau de ajuda que elas oferecem à criança pequena, vêm sendo repetidamente comprovadas por pesquisas científicas não vinculadas ao método ou à filosofia de Montessori – isso você pode verificar em Montessori: The Science Behind the Genius e em um pequeno texto meu, simples e breve, que traz algumas correspondências científicas interessantes, aqui. Maria Montessori, por sua vez, insistia que se lessem os livros dela e se fizessem os treinamentos dela. Ela sabia que, tendo conduzido praticamente sozinha quase toda a pesquisa que levou à geração e ao amadurecimento do método da Pedagogia Científica, só ela poderia dizer de fato o que descobrira, como descobrira, e quais as implicações disso para a vida da criança auxiliada pelo método. Ela, sabemos, resumia sucintamente sua vida intelectual em “Eu descobri a criança”. Neste texto, a ideia é dar a você motivos para ler três obras de Montessori. O livro Mente Absorvente, o A Criança e o Pedagogia Científica. Junto às razões expostas, estarão os índices dos livros em sua tradução para o português, assim você pode escolher por onde começar de forma mais consciente. Em Mente Absorvente, Maria Montessori, pela primeira vez, expõe sua teoria completa sobre a formação da mente da criança. O livro foi escrito no final da vida dela, como uma coletânea das palestras que ministrou durante sua estada na Índia, ao longo da Segunda Guerra Mundial. O livro tem capítulos como “Os Períodos do Crescimento”, “Embriologia e Comportamento”, “Os Primeiros Dias de Vida”, “Alguns Pesamentos sobre a Linguagem” e “Erros e Suas Correções”, e termina com capítulos sobre disciplina e, o último, sobre amor. É uma obra magnífica de muitos pontos de vista. É neste livro que Montessori expõe uma das ideias-base de sua ciência: a noção da mente absorvente como a chave que permite à criança apreender o mundo e se formar a partir dele. Aqui, Montessori nos explica: “A criança absorve o conhecimento diretamente em sua vida psíquica [...] as impressões não somente entram em sua mente, elas a formam”, e defende: “Essa é a perspectiva verdadeira na qual devemos enxergar a criança. É essa sua importância. Ela torna tudo possível. Sobre o seu trabalho se ergue a civilização. É por isso que devemos oferecer à criança a ajuda de que precisa, e estar a seu serviço, para que não precise trabalhar sozinha”. Tendo escrito o livro ao fim da vida, é nele que Montessori nos entrega em mãos a responsabilidade pela revolução que ela sempre ansiou por ver completa. O livro A Criança é muito mais suave e fluido. Mas que não nos enganemos, ele traz tesouros. Em sua versão original, o título era “O Segredo da Infância” e nele Montessori conjuga aquilo de sua teoria psicológica que já havia sido completado até 1936 com observações sobre os aspectos menos materiais do método Montessori. Entre os aspectos psicológicos nós encontramos “O Recém-Nascido”, “A Inteligência”, “As Delicadas Estruturas Psíquicas” e “Os Conflitos Durante o Desenvolvimento”, enquanto que entre os aspectos imateriais do método achamos “A Repetição do Exercício”, “Livre Escolha”, “Prêmios e Castigos” e “O Silêncio”. Outro ponto interessante do livro é a sequência de dez capítulos nos quais Montessori trata de traços do comportamento infantil que não são naturais da criança e surgem por inadequações no ambiente ou no comportamento do adulto para com ela – ela também oferece soluções. O final da obra é dedicado a reflexões sobre os conflitos entre o adulto e a criança, as diferentes características do adulto e da criança e a conscientizações sobre os direitos da criança e a missão dos pais. Em A Criança encontramos passagens belas como “Assim que as crianças encontram algo interessante, abandonam a instabilidade e começam a se concentrar.” e, ainda sobre as crianças “Elas não nos compreendem, não conseguem se defender de nós, e aceitam tudo o que lhes dizemos. Elas não só aceitam absuso, mas se sentem culpadas sempre que nós as culpamos.” Sobre o ambiente, Montessori diz aqui: “O primeiro objetivo do ambiente preparado é, tanto quanto possível, tornar a criança em crescimento independente do adulto.” Já o livro Pedagogia Científica¹ destoa bastante da tônica dos dois anteriores. É um livro pedagógico por excelência, e trata do método da Pedagogia Científica como aplicado às crianças de três a seis anos. Essa reedição foi feita também no fim da vida de Montessori e representa, por isso, a síntese de uma vida inteira de trabalho e pesquisa. Em Pedagogia Científica nós temos as descrições totais das características do ambiente da criança, a descrição, em muitos casos pormenorizada, de apresentações dos materiais montessorianos segundo sua criadora, e uma sequência de apresentações também detalhada. Encontramos reflexões sobre a escrita, a aritmética, o desenho, a arte, a música e a natureza na vida da criança. Há ainda um começo do livro dedicado à história do método e a considerações críticas sobre a educação tradicional. O livro, muito bem lido, é um treinamento em si mesmo e traz importantes chaves para complementar os cursos de treinamento de professores montessorianos. É um livro de cabeceira para todos nós e deve estar presente em nossas salas de aula para que, em caso de dúvida, possamos recorrer a quem criou tudo aquilo que fazemos todos os dias. São de Pedagogia Científica passagens famosas de Montessori, como, sobre o professor, “Resumidamente, o principal dever da professora na escola pode ser descrito assim: Ela deve explicar o uso do material. Ela é a principal conexão entre o material, que são os objetos, e a criança. É um dever simples, modesto, e entretanto é tão mais delicado do que aquele encontrado nas antigas escolas, onde o material somente ajuda a criança a compreender a mente da professora, que passa adiante suas próprias ideias à criança, que por sua vez deve recebê-las”, sobre o ambiente, lemos que “O método de observação há de fundamentar-se sobre uma só base: a liberdade de expressão que permite às crianças relar-nos suas qualidades e necessidades, que permaneceriam ocultas ou recalcadas num ambiente adverso à atividade espontânea” e, ainda, sobre o material: “Os meios destinados a auxiliar a criança a pôr ordem em seu espírito e facilitar-lhe a compreensão das inúmeras coisas que a envolvem deverão ser limitados ao mínimo necessário para poupar suas forças e fazê-la avançar com segurança pelo árduo caminho do desenvolvimento”. Quando lemos Maria Montessori temos incontáveis surpresas, descobrimos que ainda guardamos em nós preconceitos contra a criança que contávamos já há muito superados. Ler Maria Montessori é fazer uma visita à mente de uma das mentes mais geniais da Educação – quiçá a mais genial - e descobrir novos continentes a todo momento. E mais: maneiras belíssimas e corretas de levar as crianças para passearem conosco por esse mundo novo, cheio de milagres. Qual o seu livro favorito de Montessori? Por que ele é seu favorito? Compartilhe conosco a citação de que você mais gosta, ou o trecho que mais lhe ensina agora, ou até hoje! Vamos manter a conversa sobre a obra de Montessori viva e vibrante!
__ ¹ - Vale a pena mencionar que o livro Pedagogia Científica não é a tradução do livro Il Metodo della Pedagogia Scientifica, de Montessori, mas sim de La Scoperta del Bambino, este sendo uma quinta edição absolutamente transformada daquele primeiro livro.
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AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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