1. Vantagens do mínimo necessário.
A criança vive, desde sempre, em um ambiente estimulante. A casa onde mora, as ruas por onde passa, as pessoas, os bichos e as máquinas que vê, as imagens e os sons que a circundam, as cores, os cheiros, os gostos, as infinitas palavras: tudo isso é estímulo e tudo isso é motivação para aprendizado e curiosidade. Montessori nos diz que a criança não é um ausente do mundo. Ao contrário, encontra-se bem presente na realidade e deseja compreendê-la e absorvê-la completamente. Por isso, o material limitado em quantidade é um auxílio importante para a criança. Ele servirá, então, para colocar ordem em sua mente.
O material é como um mapa, uma segurança à qual a criança pode recorrer para acertar sua rota, reafirmar aprendizados ou, mais habitualmente, compreender a direção para onde deve seguir diante de tantas novidades apresentadas pelo mundo. Em poucas palavras: o material montessoriano é um conjunto de meios para o desenvolvimento - ele não é um conjunto de materiais didáticos. E essa é uma distinção fundamental.
O material limitado em quantidade permite à criança (1) uma organização mental precisa, tanto do mundo quanto de sua sala de aula, (2) a repetição com menores tentações para um desvio do caminho - se há materiais demais, a criança repete menos, e tem menos chances de se desenvolver nas habilidades às quais os materiais montessorianos dizem respeito, e (3) o tédio, vez por outra, que é uma condição importante para o nascimento da criatividade - é só diante do tédio, do descanso, e da desocupação, que a criança tem chance de observar o mundo e descobri-lo em suas várias naturezas: biológicas, sociais e ambientais, por exemplo.
Finalmente, o limite de materiais, essa característica crucial do ambiente montessoriano, permite à criança uma maior utilização do material montessoriano justamente. Pela eliminação dos quebra-cabeças, dos blocos de empilhar, do lego, das inúmeras atividades em papel que seriam apostiladas numa escola comum e abandonam a apostila e vão para a bandeja na escola "montessoriana", abandonando tudo isso, entram em cena os blocos cor-de-rosa (a Torre), os prismas marrons (a Escada) e as barras vermelhas. Entram os fusos, as letras de lixa, o alfabeto móvel. Entra em cena aqueles materiais que foram desenvolvidos com intensa pesquisa sobre sua forma, utilização e benefícios. E saem aqueles que foram comprados, impressos ou fabricados porque são bonitos e as crianças gostam. Em uma pedagogia científica, nosso critério de seleção precisa ser muito mais exigente do que esse. Na última parte deste texto veremos qual a vantagem de uma convivência maior com o material montessoriano.
2. Desvantagens do máximo possível
Montessori diz: "Enganamo-nos pensando que a criança "cheia de brinquedos", sempre cercada de ajuda, "deveria ser a mais evoluída". Muito pelo contrário, a multidão desordenada de objetos agrava seu estado de espírito semeando nele, novamente, o caos, oprimindo-a e desencorajando" (Pedagogia Científica).
Quando a sala montessoriana tem materiais demais, a primeira coisa que se nota é uma grande dificuldade para que as crianças atinjam o que chamamos de normalização e que, de fato, é a única justificativa para a existência de uma sala montessoriana para crianças entre três e seis anos. Montessori disse que "antes da concentração não há educação", e o que acontece na sala com muitos materiais é uma busca inglória por educar crianças que ainda não se concentram, por educar seus cérebros sem educar suas mãos e por ocupar as crianças todo o tempo, sem maiores preocupações com a qualidade da atividade a que a criança se dedica.
O excesso de materiais leva a algumas organizações inaceitáveis de sala de aula, como por exemplo a presença de tantas bandejas em uma estante que a mão da criança não cabe entre uma e outra, para que ela possa escolher e pegar o que quer. Com grande frequência, os materiais - especialmente de Vida Prática - precisam ser codificados por cor para que possam ser guardados novamente, e aqui eu não trato da preocupação estética com a beleza do conjunto do material, que admite inclusive uma escolha de cores, mas da necessidade imperiosa de que tudo tenha a mesma cor porque, se assim não for, nada retorna ao lugar correto.
A sala com muitos materiais diminui o retorno ao mesmo material, por parte da criança, que sempre encontra uma novidade interessante. O retorno ao material importa: é indo várias vezes a ele que o aluno perceberá seu próprio amadurecimento e fará de si mesmo um mestre em algumas das habilidades envolvidas ali. O retorno ao material permite a percepção de detalhes, o refinamento sensorial elevado, a concentração na evolução da habilidade. Caso contrário, sem o retorno, as escolhas são sempre pelos materiais de final aberto, que não exigem amadurecimento sensorial da criança, envolvem pouquíssimo controle de erro ou são de papel e excluem a mão do processo da aprendizagem.
3. Um estudo importante para nós
Montessori é uma pedagogia científica, antes de ser qualquer outra coisa. Por isso, devemos sustentar nossa prática em ciência, em experimentação controlada, e em estudo. Hoje em dia, possivelmente a principal personalidade envolvida na ciência de Montessori seja Angeline Lillard. Pesquisadora e professora na Universidade de Virgínia, Lillard é Diretora do Laboratório de Desenvolvimento Infantil na universidade e publicou, em 2005, o livro Montessori: The Science Behind the Genius - em que identifica as bases científicas atuais para diversos aspectos de Montessori -, bem como um artigo, em 2007, na Revista Science, no qual investiga os resultados da educação montessoriana, em contraste com os da educação tradicional.
Em maio deste ano, Lillard publicou um novo artigo, este para o Journal of Montessori Research, buscando compreender as vantagens e/ou desvantagens de ter ou não materiais alternativos a Montessori em uma sala montessoriana. Em resumo, o método da pesquisa foi escolher três salas com professoras montessorianas formadas nas quais havia material suplementar (não-montessoriano) e material montessoriano clássico. O material suplementar foi retirado de duas salas, e mantido em uma. No começo do processo, experimentos determinaram o desenvolvimento das crianças em leitura, matemática, funções executivas, vocabulário, habilidades sociais e conhecimentos sociais. Nos testes iniciais, as criança tiveram os mesmos resultados, na média (a não ser pelo teste de funções executivas. Neste, as crianças da sala que continuaria com material suplementar saíram na frente). Ao final de quatro meses os testes foram aplicados novamente.
Como resultado, Lillard e Heise descobriram que:
- O tempo gasto com materiais montessorianos aumentou de 34% para 58% do tempo na escola na sala sem materiais suplementares. Na sala sem materiais suplementares, permaneceu estável em 42%.
- As crianças das salas sem material suplementar tiveram avanço significativamente superior em leitura. Eles avançaram o dobro dos alunos da sala com material suplementar.
- As crianças das salas sem material suplementar tiveram avanço significativamente superior em funções executivas. Mas começaram muito inferiores, e continuaram com resultados inferiores no final. Mas as crianças da sala com material suplementar não tiveram avanço nenhum.
- As crianças das salas sem material suplementar tiveram um avanço um pouco superior em matemática.
- Não houve diferença significativa nos resultados para vocabulário, habilidades sociais e conhecimentos sociais.
Sucintamente, esses resultados devem colocar todo professor montessoriano para pensar: não existe nenhum benefício em ter materiais não-montessorianos na sala de aula montessoriana. Mais testes precisam ser feitos, é claro. Mas até o presente momento, Montessori e as pesquisas mais atuais apontam para a mesma coisa: aplicado de maneira estrita, Montessori pode oferecer vantagens fantásticas para o desenvolvimento da criança. Utilizado de forma flexibilizada, oferece menos benefícios e nós ignoramos, cientificamente, os resultados dessa prática.
Há quem chame esta maneira de ver Montessori de purista e argumente que é necessário trazer Montessori aos novos tempos. Argumentamos aqui que não se trata tanto de purismo quanto de radicalismo. É radical - é respeitar as raízes, então - utilizar Montessori de maneira clássica. E é radical - revolucionário, portanto - utilizar Montessori em todo o seu potencial. É atenuar o radicalismo de Montessori, e daí diminuir o potencial da metologia, flexibilizar seus aspectos fundamentais. Montessori também nos disse, em A Educação e a Paz: "Uma educação capaz de salvar a humanidade não é tarefa pequena". Nossa tarefa é imensa, e ela é também humilde: devemos ser capazes de respeitar o que aprendemos, utilizar aquilo que foi desenvolvido pelo gênio de Montessori, e somente com muita observação, muito cuidado e critérios muito exigentes, fazer alterações ou adições ao método. Trazer Montessori para o nosso tempo é atentar para e respeitar aquilo que a ciência de nosso tempo nos demonstra, e ela nos mostra que Montessori estava certa.
Referências:
Maria Montessori - Pedagogia Científica
Maria Montessori - A Educação e a Paz
Lillard e Heise - Removing Supplementary Materials from Montessori Classrooms Changed Child Outcomess - Journal of Montessori Research, 2016, Vol. 2.