Há alguns meses, o Lar Montessori publicou a tradução dos Dez Princípios do Educador Montessoriano e há algumas semanas um texto sobre Montessori e Paz. Além disso, há quinze dias, o Brasil Montessori publicou três definições de quem é o Educador Montessoriano. Nesta semana, dia 21 de setembro, além do início da primavera para o hemisferio sul, comemoraremos no mundo todo o Dia Internacional da Paz. Assim, parece especialmente importante que possamos conversar um pouco sobre o que podemos fazer em nossas salas de aula para ajudar a humanidade a caminhar em direção à paz interna do homem e à paz externa do mundo. Para isso, vamos utilizar a definição dada por Edimara de Lima no Brasil Montessori e alguns dos princípios de Maria Montessori para nossa prática educacional.
Edimara disse:
E Montessori disse, entre outros, que alguns princípios do professor montessoriano são:
As raízes da socialização estão na infância, isso é aceito mesmo fora dos círculos montessorianos. É quando muito pequena que a criança aprende a se comportar no mundo, que absorve comportamentos, cria padrões mentais e reproduz formas de agir no mundo. Nossa responsabilidade, como professores destes pequenos, é garantir que os padrões de comportamento que verão e criarão a partir de nós sejam pacíficos, positivos e benéficos para elas e para o mundo. Se somos, e somos, cientistas da educação, nos cabe não somente pensar de forma abstrata quais tipos de comportamento afligem hoje a sociedade, mas observá-la em seu funcionaento e buscar perceber, pela observação, pela leitura, pelo pensamento lógico, de que formas tais ações podem ter suas raízes em nossas salas de aula. Gandhi, o grande pacifista ativo, disse que o primeiro passo para a paz estava em recusar-se a cooperar com tudo o que é humilhante. Neste sentido, levanto aqui algumas das práticas que constituem, hoje, talvez as maiores humilhações. A lista é a que pude pensar, e neste sentido ítens outros, acompanhados de reflexões sobre a nossa prática docente, são mais do que bem vindos em nossos comentários:
A miséria como problema social não é resultado da ação de um só indivíduo, mas do modus operanti do mundo. Neste sentido, não podemos resolvê-la toda em nossa sala de aula, e ainda assim, grandes pilares do trabalho pela diminuição do sofrimento da humanidade, tais como Dalai Lama e Madre Teresa de Calcutá, usam a mesma palavra de Montessori para uma das qualidades humanas fundamentais: gentileza - em inglês, kindness. Em nossas salas temos as práticas de Graça e Cortesia, práticas de gentileza. Não basta, é claro, que os alunos aprendam as regras ou os exercícios básicos da gentileza, se não os virem representados em ainda maior grau por nós. Sabemos que conforme atingem seu equilíbrio natural, as crianças desenvolvem sua generosidade e abrem mão de seu instinto de possessividade. Este é o passo fundamental. Entretanto, ecoando Howard Gardner, é preciso ensinar o que é o bom. A criança abandona a avareza, e torna-se sozinha generosa. Mas as diversas práticas da generosidade ativa exigem exemplo. Neste sentido, oferecer à criança o melhor que há em nós e à nossa disposição é absolutamente fundamental. Nossas melhores palavras, nossa melhor postura corporal, a melhor comida que a escola puder oferecer, as melhores roupas que pudermos usar para o trabalho, as melhores maneiras que tivermos aprendido para o trato social. Tudo o que há de melhor deve ser ofertado à criança - primeiro como sinal de respeito e reverência, mas também para que ela aprenda, na formação de seus padrões de socialização, a oferecer seu melhor para o mundo. Nós não resolveremos o problema da miséria nos dois primeiros anos de trabalho com as crianças, mas talvez, se muitas e muitas crianças crescerem oferecendo o seu melhor ao mundo, a miséria um dia realmente acabe. A discriminação do diferente, seja qual for, existe em diversos níveis: pessoalmente, é possível discriminar. É possível fazê-lo em grupos (e é então que temos o bullying em sua verdadeira forma) e é possível e como fazê-lo em sociedade. Este é o problema mais grave e, entretanto, apoia-se nos dois anteriores. Discrimina-se socialmente porque se faz o mesmo em grupos pequenos e entre indivíduos isolados. Falar mal da criança, em sua presença (aterrador) e em sua ausência (também terrível, embora menos impressionante) é grave, mas não simplesmente por um ponto de vista moral, e sim porque denuncia, antes de tudo, a desistência de nosso papel como cientistas e pacifistas ativos. Se somos cientistas, não temos crianças ruins. Temos crianças cujo desenvolvimento não sabemos ajudar ou, em última análise, temos diferentes com diante dos quais somos ignorantes. Não é errado que não saibamos trabalhar com uma criança, mas é errado imputar-lhe a culpa de um trabalho que cabe, na maior parte das vezes, aos adultos que a circundam. Culpar a criança difícil por sua dificuldade é a semente da culpabilização do outro pelo que o outro não consegue fazer diferente. Dizer que "Joca não aprende porque é burro" e "é burro porque não aprende" - ou pior, dizer que "Joca não aprende porque não quer", é a semente de dizer que alguém "nunca sairá de trás do balcão" ou que "ele apanhou, mas pediu, quem mandou provocar", ao tratar de homossexuais e declarar que "quem mora na favela tá lá porque esse povo não liga de morar tudo amontoado". Se Joca escuta o que se lhe diz, aprende a dizê-lo. E se não escuta, o comportamento de quem o diz denuncia seu pensamento, e a criança aprende isso também. Não falar mal da criança, em sua presença ou ausência é, neste sentido, fundamental. É a única maneira de ensinar a criança a não culpar o outro pelo que o outro não pode fazer diferente. A submissão forçada da mulher pode nos parecer superada hoje (especialmente aos homens), embora tenha sido bandeira de Maria Montessori em sua época. Entretanto, é preciso ainda considerar que a mulher é vítima de uma série de práticas com as quais homem algum precisa lidar: recebe salários menores, é responsabilizada em larga escala pela criação dos filhos, espera-se dela que ceda sexualmente ao cônjuge à vontade deste e, pior, precisa lidar diariamente com a ameaça da agressão física e do abuso sexual - que se inicia nas palavras a elas lançadas na rua e se extende até os mais trágicos incidentes. Para a criança, o desrespeito maior se encontra no plano físico, pois que é ainda a independência física que busca. E aquilo que se registra fisicamente nela é o que mais a impressiona. Por isso, nunca tocar a criança, a menos que seja convidado por ela de alguma maneira é tão importante. É a partir daí que a menina aprenderá que só poderá ser tocada caso o permita, e posteriormente compreenderá que só deve aceitar para si aquilo que não lhe for, de nenhuma forma, intrusivo ou agressivo. Pegar a criança, apertar seu rosto, acariciar-lhe, sem nenhum tipo de convite, é impor a ela a vontade do adulto. E enquanto a menina aprende a ser passiva, o menino, que é passivo enquanto criança, aprende mais tarde que pode fazer o mesmo às garotas, moças e mulheres que encontra. Novamente aqui, nós não resolveremos todo o problema em nossas salas de aula. Infelizmente. Entretanto, temos em nossas mãos e nossas vozes a possibilidade de auxiliar as crianças em um desenvolvimento pleno, saudável, belo e socialmente positivo - e é de nossa responsabilidade zelar pelas mentes em formação que conosco convivem e, muitas vezes, mais conosco do que com qualquer outro adulto. É bem verdade que o mundo vem melhorando pelo menos em alguns aspectos, talvez em mais do que sabemos.Entretanto, é bem verdade também que há ainda o que fazer. Talvez não tenhamos toda a solução em nossas mãos, mas Montessori disse que temos, e pelo que sabemos ela ainda não errou no que disse. A boa notícia é que, de qualquer forma, temos nossa contribuição a dar - e ela pode ser fundamental para o nascimento e o desenvolvimento da Paz no mundo. Neste sábado, comemoremos repensando quais de nossas ações contribuem para que o mundo se torne cada vez menos humilhante. Armados com o pensamento de Gandhi e munidos com os exemplos dos que lutam pela melhora do mundo, lembremos do que nos ensinou Montessori e escutemos o que disse sobre o fundamento de nosso trabalho: "Lutadores - é o que somos. Lutamos pela paz na terra..." e, assim, que todos os anos, dia 21 de setembro, tenhamos o que comemorar.
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AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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