Uma vez que você comece a ver os elogios pelo que eles são - e o que fazem - essas pequenas e constantes erupções avaliativas dos adultos começam a ter o mesmo efeito de unhas arranhando um quadro negro. Você começa a torcer radicalmente para que a criança dê aos seus professores ou pais um gostinho do que eles mesmos fazem virando para eles e dizendo (no mesmo tom de voz adocicado), "Bom elogio!".
Ainda assim, não é um hábito fácil de quebrar. Pode parecer estranho, pelo menos no começo, parar de elogiar; pode parecer que você está sendo frio ou negando e retendo algo. Mas isso, como vai ficar claro em breve, indica que elogiamos mais porque precisamos dizer do que porque as crianças precisam ouvir. Sempre que isso for verdade, é hora de repensarmos o que estamos fazendo. As crianças precisam é de apoio incondicional, amor sem amarras. Isso não é só diferente do elogio - é o oposto do elogio. "Muito bom!" é condicional. Quer dizer que estamos oferecendo atenção, reconhecimento e aprovação por elas fazerem o que gostamos, por fazerem coisas que nos agradam. Esse ponto, você vai notar, é muito diferente da crítica que alguns fazem ao efeito de dar aprovação demais às crianças, ou de dá-la muito facilmente. Eles recomendam que sejamos mais avarentos em nossos elogios para que instiguemos as crianças a "merecê-los". Mas o grande problema não é que as crianças estejam sendo elogiadas por tudo o que fazem hoje em dia. É que nós somos tentados a tomar atalhos, a manipular as crianças com recompensas em lugar de explicar e ajudá-las a desenvolver as habilidades necessárias e bons valores. Então,, qual a alternativa? Depende da situação, mas seja o que for que decidamos dizer, tem de ser oferecido em contextos de afeto genuíno e amor para com o que as crianças são, mais do que para com o que fizeram. Quando o suporte incondicional está presente, "Muito bom!" não é necessário. Quando o suporte incondicional está ausente, "Muito bom!" não vai ajudar. Se estamos elogiando ações positivas para desencorajar maus comportamentos, é pouco provável que funcione por muito tempo. Mesmo quando funciona, nós não podemos realmente dizer que as crianças estão sendo "elas mesmas". seria mais acurado dizer que o elogio as fazem comportarem-se. A alternativa é trabalhar com a criança para descobrir as razões para ela agir de tal maneira. Podemos ter de reconsiderar nossas próprias exigências em vez de só encontrar uma forma de fazer as crianças obedecerem. (Em vez de usar um "Muito bom!" para fazer uma criança de quatro anos sentar em silêncio durante uma longa reunião da classe ou um jantar de família, talvez devêssemos nos perguntar se é razoável esperar que uma criança o faça). Também devemos guiar as crianças no processo de tomada de decisões. Se uma criança está fazendo algo que incomoda as outras, sentar com ela depois e perguntar "O que você acha que podemos fazer para resolver este problema?" será provavelmente mais efetivo do que subornos ou ameaças. Também ajuda a criança a aprender a resolver problemas e ensina que suas ideiais e sentimentos são importantes. Claro, esse processo leva tempo e exige talento, cuidado e coragem. Lançar um "Muito bom!" quando uma criança age da forma que consideramos apropriada não exige nada disso, o que ajuda a explicar porque estratégias de "fazer por" são mais populares do que estratégias de "trabalhar com". E o que podemos dizer quando as crianças realmente fazem algo impressionante? Considere três reações possíveis: * Não diga nada. Algumas pessoas insistem que uma boa ação precisa ser "reforçada" porque, secreta ou inconscientemente, eles acreditam que foi um acaso feliz. Se as crianças são fundamentalmente más, então precisam de motivos artificiais para serem boas (ou seja, precisam receber uma recompensa verbal). Mas se esta crítica é infundada - e muitas pesquisas indicam que é - então o elogio não é necessário. * Diga o que você viu. Uma afirmação sem julgamento ("Você colocou seus sapatos sozinho" ou mesmo só "Você fez" ou "Você conseguiu") diz à sua criança que você notou. Também a permite ter orgulho pelo que fez. Em outros casos, uma descrição mais elaborada pode fazer sentido. Se sua criança faz um desenho, você pode dar um feedback - e não um julgamento - sobre o que você notou: "Essa montanha é imensa!", "Puxa! Você usou bastante roxo hoje!". Se uma criança faz algo carinhoso ou generoso, você pode gentilmente direcionar sua atenção para o efeito que sua consideração teve sobre a outra pessoa. "Olhe o rosto da Alice! Ela parece realmente feliz por você ter dado a ela um pedaço do seu lanche". Isso é completamente diferente do elogio, em que a ênfase está em como nós nos sentimos sobre ela compartilhar. * Fale menos, pergunte mais. Ainda melhores do que descrições são perguntas. Por que falar à criança qual a parte de seu desenho impressionou você quando você pode perguntar do que ela mais gostou? Perguntar "Qual foi a parte mais difícil de desenhar?" ou "Como você descobriu como fazer os pés do tamanho certo?" é provável que venha a alimentar seu interesse em desenhar. Dizer "Muito bom!", como vimos, tem exatamente o efeito contrário. Isso não quer dizer que todos os cumprimentos, todos os "obrigados", todas as expressões de deleite sejam nocivas. Nós precisamos considerar os nosss motivos para o que dizemos (uma expressão de genuíno entusiasmo é melhor do que um desejo de manipular o comportamento futuro da criança) assim como os efeitos reais de dizê-lo. As nossas ações estão ajudando a criança a sentir que tem controle sobre sua vida - ou a buscar nossa aprovação constantemente? Estão ajudando-a a ficar entusiasmada pelo que faz corretamente - ou tornando isso algo que ela faz para receber um tapinha nas costas? Não é uma questão de memorizar um novo script, mas sim de termos em mente os objetivos a longo prazo para nossas crianças e observarmos os efeitos daquilo que dizemos. As más notícias são que o uso de reforços positivos não é tão positivo, na verdade. As boas notícias são que você não precisa avaliar para apoiar. Nota do tradutor: substituímos "Bom trabalho!" por "Muito bom!" por ser esta a forma de elogio mais recorrente em nossas observações, paralela à forma inglesa, "Good job!". Copyright © 2001 by Alfie Kohn. This article may be downloaded, reproduced, and distributed without permission as long as each copy includes this notice along with citation information: YOUNG CHILDREN, September 2001, Five Reasons to Stop Saying "Good Job!", By Alfie Koh.
9 Comentários
O texto que segue é uma tradução livre do original "Five reasons to stop saying 'Good Job'", de Alfie Kohn. A reprodução do artigo é permitida pelo autor, desde que se mantenha a nota que segue ao fim deste texto, junto da referência bibliográfica, que também seguirá lá. A segunda parte do texto será publicada em quinze dias. Escolhemos reproduzir este artigo aqui pela proximidade entre o que expõe e o pensamento de Maria Montessori sobre o assunto.
Passeie por um parquinho, visite uma escola, ou apareça em uma festa de aniversário infantil, e há uma frase que você certamente ouvirá várias vezes: "Muito bom!". Mesmo as crianças bem pequenas são elogiadas por conseguir bater palmas. Muitos de nós deixamos escapar esses julgamentos sobre nossas crianças ao ponto de se tornarem um tique verbal. Muitos livros e artigos nos aconselham a não depender de punições e castigos, desde os físicos até os de isolamento (o "cantinho"). Ocasionalmente, alguém nos vai até pedir para repensar a prática de chantagear crianças com adesivos ou comida. Mas você vai precisar de uma busca terrívelmente árdua para encontrar uma palavra de reprovação ao que se chama, num eufemismo, de "reforço positivo". Para que não haja mal entendidos, o ponto aqui não é questionar a importância do encorajamento e do apoio às nossas crianças, nem a necessidade de amá-las, abraçá-las e ajudá-las a se sentirem bem consigo mesmas. Elogiar, entretanto, é outra história. Aqui está o porquê: 1. Manipular crianças. Suponha que você ofereça recompensas verbais para reforçar o comportamento de uma criança de dois anos que come sem derrubar, ou uma criança de cinco anos que limpa seus utilitários de arte. Quem se beneficia disso? É possível que dizer às crianças que elas fizeram um bom trabalho tenha menos a ver com as necessidades emocionais delas do que com nossa conveniência? Rheta DeVries, professora de educação na Universidade de Iowa do Norte, refere-se a isso como "controle adocicado". É muito parecido com recompensas tangíveis - ou, vale dizer, punições - é uma forma de fazer algo às crianças para que elas obedeçam aos nossos desejos. Pode ser eficaz para esse resultado (pelo menos por um tempo), mas é muito diferente de trabalhar com crianças - por exemplo, engajando-as em uma conversa sobre o que faz uma sala de aula (ou uma família) funcionar de forma suave, ou como outras pessoas são afetadas pelo que fizemos ou deixamos de fazer. A última abordagem não é só mais respeitosa, mas também é mais provável que ajude a fazer das crianças pessoas que dispensam atenção aos outros. O motivo pelo qual o elogio pode funcionar no curto prazo é que crianças pequenas têm fome de aprovação. Mas nós temos a responsabilidade de não explorar essa dependência pelo que é conveniente a nós. Um "Muito bom!" que reforce algo que faz nossas vidas mais fáceis pode ser um bom exemplo do processo de tirar vantagem da dependência da criança. As crianças podem se sentir manipuladas por isso também, embora não saibam explicar porquê. 2. Criando viciados em elogios. Certamente, nem todos os usos do elogio são táticas calculadas para controlar o comportamento infantil. Algumas vezes elogiamos as crianças porque de fato ficamos contentes ou satisfeitos com algo que elas fizeram. Mesmo nesses momentos, é bom adotar um olhar mais atento. Em lugar de dar suporte à autoestima da criança, o elogio pode gerar dependência dela em relação a nós. Quanto mais dizemos: "Gosto quando você..." ou "Muito bom trabalho (ou pintura, desenho, jogo)!", quanto mais dizemos, mais as crianças dependerão de nossas avaliações, de nossas decisões sobre o que é bom e ruim, em lugar de aprender a construir seus próprios juízos. Isso as leva a medir seu valor em termos de o que nos faz sorrir e conceder alguma aprovação a mais. Mary Budd Rowe, uma pesquisadora da Universidade da Flórida, descobriu que estudantes que eram elogiados profusamente pelos seus professores tinham mais dúvidas em suas repostas, e maior tendência a responder em um tom de voz interrogativo ("Hm.. sete?"). Eles tenderam a desistir de uma ideia que haviam proposto assim que um adulto discordou deles. E tinham menor tendência a persistir em tarefas difíceis ou compartilhar suas ideias com outros estudantes. Em suma, "Muito bom!" não faz sua criança mais confiante. No fim, ela fica menos segura. Pode inclusive criar um círculo vicioso em que quanto mais damos elogios, mais as crianças precisam deles, então elogiamos mais... É triste que algumas crianças se tornem adultos que continuarão a precisar de alguém lhes dado tapinhas nas costas e dizendo a elas que o que fizeram estava OK. Certamente, não é o que queremos para nossos filhos e filhas [Adição do tradutor: e alunos]. 3. Roubar o prazer da criança. Além do problema da dependência, a criança merece apreciar suas conquistas, sentir orgulho naquilo que aprendeu a fazer. Ela também merece decidir quando se sentir assim. Todas as vezes que dizemos "Muito bom!", porém, estamos dizendo à criança como deve se sentir. Certamente, há momentos em que nossas avaliações são apropriadas e nosso direcionamento é necessário - especialmente com os muito pequenos [de zero a dois anos e meio]. Mas uma torrente constante de julgamentos não é necessária nem útil ao desenvolvimento da criança. Infelizmente, podemos não perceber que "Muito bom!" é uma avaliação tanto quanto "Ficou ruim!". O que há de mais notável em um bom julgamento é que ele é bom, mas é ainda um julgamento. E as pessoas, inclusive as crianças, não gostam de julgamentos. Eu aprecio as ocasiões em que minha filha consegue fazer algo pela primeira vez, ou faz algo melhor do que havia feito antes. Mas tento resistir à tendência instintiva de dizer "Muito bom!" porque não quero dissolver sua alegria. Quero que ela compartilhe seu prazer comigo, não que olhe para mim por um veredito. Quero que diga: "Eu consegui fazer!" (que ela geralmente diz) em vez de me perguntar: "Ficou bom?". 4. Perder Interesse. "Boa pintura!" pode fazer com que uma criança pinte enquanto nós estamos assistindo e elogiando. Mas, nos alerta Lilian Katz, uma das maiores autoridades americanas em educação infantil, "uma vez que a atenção é perdida, muitas crianças não tocam a atividade novamente". De fato, um corpo considerável de pesquisas científicas nos mostra que quanto mais recompensamos as pessoas pelo que fazem, mais elas tendem a perder o interesse naquilo que fazem pela recompensa. Agora, o ponto não é mais desenhar, ler, pensar, criar - o ponto é conseguir o bem, seja ele um sorvete, um adesivo ou um "Muito bom!". Em um estudo perturbador, conduzido por Joan Grusec, na Universidade de Toronto, crianças pequenas que eram elogiadas com frequência por se comportarem com generosidade tendiam a ser menos generosas no dia-a-dia do que as outras crianças. Todas as vezes que elas ouviam "Que bonito você dividir!" ou "Estou tão orgulhoso de você por você ajudar", tornavam-se menos interessadas em dividir e ajudar. Essas ações se tornaram menos algo valioso em si, mas sim algo que tinham de fazer para receber aquela reação dos adultos de novo. A generosidade se tornou um meio para atingir um fim. O elogio motiva as crianças? Com certeza. Motiva as crianças a conseguirem elogios. Puxa, isso geralmente vem às custas do empenho a o que quer que eles estavam fazendo e que gerou o elogio. 5. Reduzir conquistas. Como se não fosse ruim o suficiente que "Muito bom!" mine a independência, o prazer e o interesse, o elogio pode de fato interferir na qualidade do que as crianças realmente fazem. Pesquisadores descobriram por várias vezes que as crianças que foram elogiadas por um bom desempenho em uma atividade tendiam a ter dificuldades na atividade seguinte - e não se saiam tão bem quanto as crianças que não eram elogiadas anteriormente. Por que isso acontece? Parcialmente porque o elogio cria uma pressão para "manter o muito bom" que fica no caminho do trabalho em si. Parcialmente porque o interesse na atividade pode ter diminuído. Parcialmente porque elas ficam menos aptas a se arriscarem - um prerrequisito para a criatividade - uma vez que começam a pensar em como manter os comentários positivos chegando. De forma mais geral, "Muito bom!" é o que resta de uma perspectiva psicológica que reduz a vida humana a comportamentos que podem ser vistos e medidos. Infelizmente, ela ignora o pensamento, o sentimento e os valores que estão por trás dos comportamentos. Por exemplo, uma criança pode dividir um lanche com um amigo para conseguir um elogio, ou como forma de garantir que a outra criança tenha o que comer. Elogiar por dividir ignora esses motivos diferentes. Pior, na verdade promove o motivo menos desejável fazendo as crianças tenderem a buscar mais o elogio no futuro. Nota do tradutor: substituímos "Bom trabalho!" por "Muito bom!" por ser esta a forma de elogio mais recorrente em nossas observações, paralela à forma inglesa, "Good job!". Copyright © 2001 by Alfie Kohn. This article may be downloaded, reproduced, and distributed without permission as long as each copy includes this notice along with citation information: YOUNG CHILDREN, September 2001, Five Reasons to Stop Saying "Good Job!", By Alfie Koh. |
AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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