O texto que segue é uma tradução livre do original "Five reasons to stop saying 'Good Job'", de Alfie Kohn. A reprodução do artigo é permitida pelo autor, desde que se mantenha a nota que segue ao fim deste texto, junto da referência bibliográfica, que também seguirá lá. A segunda parte do texto será publicada em quinze dias. Escolhemos reproduzir este artigo aqui pela proximidade entre o que expõe e o pensamento de Maria Montessori sobre o assunto.
Passeie por um parquinho, visite uma escola, ou apareça em uma festa de aniversário infantil, e há uma frase que você certamente ouvirá várias vezes: "Muito bom!". Mesmo as crianças bem pequenas são elogiadas por conseguir bater palmas. Muitos de nós deixamos escapar esses julgamentos sobre nossas crianças ao ponto de se tornarem um tique verbal. Muitos livros e artigos nos aconselham a não depender de punições e castigos, desde os físicos até os de isolamento (o "cantinho"). Ocasionalmente, alguém nos vai até pedir para repensar a prática de chantagear crianças com adesivos ou comida. Mas você vai precisar de uma busca terrívelmente árdua para encontrar uma palavra de reprovação ao que se chama, num eufemismo, de "reforço positivo". Para que não haja mal entendidos, o ponto aqui não é questionar a importância do encorajamento e do apoio às nossas crianças, nem a necessidade de amá-las, abraçá-las e ajudá-las a se sentirem bem consigo mesmas. Elogiar, entretanto, é outra história. Aqui está o porquê: 1. Manipular crianças. Suponha que você ofereça recompensas verbais para reforçar o comportamento de uma criança de dois anos que come sem derrubar, ou uma criança de cinco anos que limpa seus utilitários de arte. Quem se beneficia disso? É possível que dizer às crianças que elas fizeram um bom trabalho tenha menos a ver com as necessidades emocionais delas do que com nossa conveniência? Rheta DeVries, professora de educação na Universidade de Iowa do Norte, refere-se a isso como "controle adocicado". É muito parecido com recompensas tangíveis - ou, vale dizer, punições - é uma forma de fazer algo às crianças para que elas obedeçam aos nossos desejos. Pode ser eficaz para esse resultado (pelo menos por um tempo), mas é muito diferente de trabalhar com crianças - por exemplo, engajando-as em uma conversa sobre o que faz uma sala de aula (ou uma família) funcionar de forma suave, ou como outras pessoas são afetadas pelo que fizemos ou deixamos de fazer. A última abordagem não é só mais respeitosa, mas também é mais provável que ajude a fazer das crianças pessoas que dispensam atenção aos outros. O motivo pelo qual o elogio pode funcionar no curto prazo é que crianças pequenas têm fome de aprovação. Mas nós temos a responsabilidade de não explorar essa dependência pelo que é conveniente a nós. Um "Muito bom!" que reforce algo que faz nossas vidas mais fáceis pode ser um bom exemplo do processo de tirar vantagem da dependência da criança. As crianças podem se sentir manipuladas por isso também, embora não saibam explicar porquê. 2. Criando viciados em elogios. Certamente, nem todos os usos do elogio são táticas calculadas para controlar o comportamento infantil. Algumas vezes elogiamos as crianças porque de fato ficamos contentes ou satisfeitos com algo que elas fizeram. Mesmo nesses momentos, é bom adotar um olhar mais atento. Em lugar de dar suporte à autoestima da criança, o elogio pode gerar dependência dela em relação a nós. Quanto mais dizemos: "Gosto quando você..." ou "Muito bom trabalho (ou pintura, desenho, jogo)!", quanto mais dizemos, mais as crianças dependerão de nossas avaliações, de nossas decisões sobre o que é bom e ruim, em lugar de aprender a construir seus próprios juízos. Isso as leva a medir seu valor em termos de o que nos faz sorrir e conceder alguma aprovação a mais. Mary Budd Rowe, uma pesquisadora da Universidade da Flórida, descobriu que estudantes que eram elogiados profusamente pelos seus professores tinham mais dúvidas em suas repostas, e maior tendência a responder em um tom de voz interrogativo ("Hm.. sete?"). Eles tenderam a desistir de uma ideia que haviam proposto assim que um adulto discordou deles. E tinham menor tendência a persistir em tarefas difíceis ou compartilhar suas ideias com outros estudantes. Em suma, "Muito bom!" não faz sua criança mais confiante. No fim, ela fica menos segura. Pode inclusive criar um círculo vicioso em que quanto mais damos elogios, mais as crianças precisam deles, então elogiamos mais... É triste que algumas crianças se tornem adultos que continuarão a precisar de alguém lhes dado tapinhas nas costas e dizendo a elas que o que fizeram estava OK. Certamente, não é o que queremos para nossos filhos e filhas [Adição do tradutor: e alunos]. 3. Roubar o prazer da criança. Além do problema da dependência, a criança merece apreciar suas conquistas, sentir orgulho naquilo que aprendeu a fazer. Ela também merece decidir quando se sentir assim. Todas as vezes que dizemos "Muito bom!", porém, estamos dizendo à criança como deve se sentir. Certamente, há momentos em que nossas avaliações são apropriadas e nosso direcionamento é necessário - especialmente com os muito pequenos [de zero a dois anos e meio]. Mas uma torrente constante de julgamentos não é necessária nem útil ao desenvolvimento da criança. Infelizmente, podemos não perceber que "Muito bom!" é uma avaliação tanto quanto "Ficou ruim!". O que há de mais notável em um bom julgamento é que ele é bom, mas é ainda um julgamento. E as pessoas, inclusive as crianças, não gostam de julgamentos. Eu aprecio as ocasiões em que minha filha consegue fazer algo pela primeira vez, ou faz algo melhor do que havia feito antes. Mas tento resistir à tendência instintiva de dizer "Muito bom!" porque não quero dissolver sua alegria. Quero que ela compartilhe seu prazer comigo, não que olhe para mim por um veredito. Quero que diga: "Eu consegui fazer!" (que ela geralmente diz) em vez de me perguntar: "Ficou bom?". 4. Perder Interesse. "Boa pintura!" pode fazer com que uma criança pinte enquanto nós estamos assistindo e elogiando. Mas, nos alerta Lilian Katz, uma das maiores autoridades americanas em educação infantil, "uma vez que a atenção é perdida, muitas crianças não tocam a atividade novamente". De fato, um corpo considerável de pesquisas científicas nos mostra que quanto mais recompensamos as pessoas pelo que fazem, mais elas tendem a perder o interesse naquilo que fazem pela recompensa. Agora, o ponto não é mais desenhar, ler, pensar, criar - o ponto é conseguir o bem, seja ele um sorvete, um adesivo ou um "Muito bom!". Em um estudo perturbador, conduzido por Joan Grusec, na Universidade de Toronto, crianças pequenas que eram elogiadas com frequência por se comportarem com generosidade tendiam a ser menos generosas no dia-a-dia do que as outras crianças. Todas as vezes que elas ouviam "Que bonito você dividir!" ou "Estou tão orgulhoso de você por você ajudar", tornavam-se menos interessadas em dividir e ajudar. Essas ações se tornaram menos algo valioso em si, mas sim algo que tinham de fazer para receber aquela reação dos adultos de novo. A generosidade se tornou um meio para atingir um fim. O elogio motiva as crianças? Com certeza. Motiva as crianças a conseguirem elogios. Puxa, isso geralmente vem às custas do empenho a o que quer que eles estavam fazendo e que gerou o elogio. 5. Reduzir conquistas. Como se não fosse ruim o suficiente que "Muito bom!" mine a independência, o prazer e o interesse, o elogio pode de fato interferir na qualidade do que as crianças realmente fazem. Pesquisadores descobriram por várias vezes que as crianças que foram elogiadas por um bom desempenho em uma atividade tendiam a ter dificuldades na atividade seguinte - e não se saiam tão bem quanto as crianças que não eram elogiadas anteriormente. Por que isso acontece? Parcialmente porque o elogio cria uma pressão para "manter o muito bom" que fica no caminho do trabalho em si. Parcialmente porque o interesse na atividade pode ter diminuído. Parcialmente porque elas ficam menos aptas a se arriscarem - um prerrequisito para a criatividade - uma vez que começam a pensar em como manter os comentários positivos chegando. De forma mais geral, "Muito bom!" é o que resta de uma perspectiva psicológica que reduz a vida humana a comportamentos que podem ser vistos e medidos. Infelizmente, ela ignora o pensamento, o sentimento e os valores que estão por trás dos comportamentos. Por exemplo, uma criança pode dividir um lanche com um amigo para conseguir um elogio, ou como forma de garantir que a outra criança tenha o que comer. Elogiar por dividir ignora esses motivos diferentes. Pior, na verdade promove o motivo menos desejável fazendo as crianças tenderem a buscar mais o elogio no futuro. Nota do tradutor: substituímos "Bom trabalho!" por "Muito bom!" por ser esta a forma de elogio mais recorrente em nossas observações, paralela à forma inglesa, "Good job!". Copyright © 2001 by Alfie Kohn. This article may be downloaded, reproduced, and distributed without permission as long as each copy includes this notice along with citation information: YOUNG CHILDREN, September 2001, Five Reasons to Stop Saying "Good Job!", By Alfie Koh.
12 Comentários
Luciana Henn
10/11/2013 00:36:12
Muito pertinente!
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Paige Geiger
10/11/2013 04:13:09
Obrigada, Gabriel. Nós, que trabalhamos na educação Montessori, tem focado muito neste conflito que existe em nossas na salas de aula. As vezes o professor se acha numa posição defensiva e num conflito pessoal com tudo que achava certo quando enfrenta esta posição comprovada sobre elogios. Nós podemos confiar na pesquisa e no estudo, aquelas pesquisas citadas aqui e as da Maria Montessori. Eu estava conversando com professores recentemente sobre nossas "verbalizações" que interferem com o trabalho da criança, interfere no sentido de desestimular o trabalho pessoal da criança e focar a atenção no adulto. Fazemos isso mais do que nós pensamos. Quantas vezes nossos alunos tem que levar cada papel preenchido para a professora ver? O conflito entra em cena quando nós achamos o nosso trabalho (de ensinar ou apresentar...ou elogiar) mais importante do que o trabalho da criança para aprender. ...e aprender com prazer e alegria no seu próprio trabalho. Obrigada, Gabriel por focar a nossa atenção no assunto.
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Aryanna
12/11/2013 12:06:39
Por favor, o texto cita vários estudos, porém não há fontes. Onde as encontrar? Porque sem as fontes a análise fica sem embasamento. Obrigada!
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Paige Geiger
12/11/2013 15:51:09
Aryanna, aqui adicionei o site do artigo onde pode encontrar referências aos livros e artigos de Alfie Kohn. Também tem links adicionais para chegar até os livros...mas, para comprar. Detalhes das fontes dele estão nos livros mas também pode pesquisar Rheta De Vries e Mary Budd Rowe sobre o trabalho delas.
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Gabriel
13/11/2013 02:30:40
Aryanna, aproveito para recomendar a você o livro "Montessori: The Science Behind the Genius". É um compilado de centenas de estudos científicos não relacionados a Montessori, mas que de alguma maneira embasam os argumentos expostos pela educadora em sua obra. Há um capítulo só sobre prêmios e elogios. Estou certo de que você o apreciará, especialmente porque a autora, professora na Universidade de Virgínia e PhD por Stanford, referencia todos os estudos e faz pequenos resumos de cada um deles ao tratar dos temas, de forma a deixar realmente claro o embasamento científico de sua argumentação.
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Carolina OGC
9/12/2013 11:23:12
Olá, tudo bem? Eu realmente fiquei contente com o trabalho do meu filho. Gostei tanto que quero expressar essa minha alegria. Caso eu nao fale "muito bom" ou "parabéns, meu filho" ou entao, "bom trabalho", eu me passaria por indiferente e isso nao seria bom. Nao seria verdadeiro. Nem espontâneo. O que o método montessori me indica neste caso? Como lidar com esse sentimento de satisfacao? (P.S. Sorry! Nao tenho cedilha e nem til no teclado).
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Amanda
11/1/2017 20:51:08
Olá Carolina tem um vídeo no youtube onde explica direitinho o que fazer nesse caso. Concordo com você que se realmente gostamos, precisamos falar. Vou deixar o link do vídeo aqui: https://youtu.be/NelFRqiCkPc
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Maria Lucia
21/9/2015 18:51:24
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Fernanda
17/9/2017 17:41:41
E no caso das notas como avaliações dos trabalhos... também não devem ser utilizados? Pois todo tipo de nota data é uma forma de avaliar, e nesse caso também causará nas crianças as mesmas frustrações e dependências....
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Paige Geiger
19/9/2017 10:41:29
Sim, Fernanda, na perspectiva Montessoriana, notas vão cair na mesma categoria. Mas, avaliação do seu próprio desempenho também faz parte do trabalho. Quando nós estamos engajados com nosso trabalho, fazemos nossas prórprias avaliações.
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Rosângela Pereira
6/1/2021 10:14:51
Adorei o artigo, agradeço por ele, vou buscar no YouTube o que falaram aqui. Em tudo que leio sobre elogios e encorajamento eu vejo todos falando o que não se deve fazer, e pouco ou nada nos auxiliam a como fazer, ser mãe não é brincadeira, carregar o sentimento de ter errado tanto achando que estava certo é simplesmente triste. Gostaria de se puderem né enviarem mais textos e artigos sobre o assunto, por favor. Obrigada
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AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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