Há muitas escolas Montessori pelo mundo - só no Brasil, há mais de uma centena de escolas e núcleos educacionais que baseiam sua prática nos princípios desenvolvidos por Maria Montessori. Ela, a médica italiana que revolucionou a educação, deixou muitos livros, dezenas de artigos, palestras, e deixou todos os materiais necessários para a educação da infância. É possível aprender mais pela obra escrita de Maria Montessori do que em anos de prática educacional, segundo o depoimento de muitos profissionais que descobriram o método depois muita experiência na escola tradicional.
Se tudo isso é verdade, e é verdade, por que vale a pena fazer um curso? Não bastaria somente a leitura atenta de Montessori e o conhecimento de seus materiais, que pode ser conseguido em tantos websites e mesmo em dois dos livros de Montessori? (Os livros, para quem quiser, são "Dr. Montessori's Own Handbook", com edição em espanhol, mas não em português, por enquanto, e "The Montessori Elementary Material", para crianças de seis a nove anos). A resposta, de alguém que vive Montessori desde os dois anos de idade e se coloca humildemente em posição de responder esta pergunta, é não. A leitura é imprescindível. Estudar Montessori à exaustão é o mínimo que se pode fazer, é o primeiro passo no imenso caminho de se tornar um professor montessoriano, mas ainda é só o primeiro passo. Viver Montessori como aluno é para mim uma lanterna, e a leitura de seus livros é como um cajado. Como manto, a observação de salas de aula me serve bem, e como mapa as conversas com professores muito antigos. Mas para realmente iniciar o caminho, o curso é a trilha. Eu nasci em 1991, e em 1993 já estava em uma sala montessoriana, em São Paulo. Fiquei nessa escola até os quatorze anos, estudando com professores que buscavam aplicar o método Montessori mesmo no Ensino Fundamental II. Nós não tínhamos aulas nem provas, e o trabalho era realmente individualizado. Vivi Montessori, portanto, até o meio da adolescência. Depois, no colégio, não fiquei nem um mês sem retornar à escola onde estudei antes e, na faculdade, decidi pesquisar o método Montessori para adolescentes, além de escrever sobre Montessori para famílias com crianças pequenas. Isso quer dizer que eu busco respirar Montessori o dia todo, todo dia. Há três anos não há nenhum dia em que eu não leia ou converse sobre Montessori, e há dois não se passa uma semana sem que eu escreva sobre o assunto. Eu achava, então, que talvez não precisasse de um curso. Eu conhecia a obra, e eu vivi a prática. O que é que faltava? Até que um belo dia, visitei uma sala montessoriana diferente daquela onde eu viv quando pequeno - tão boa quanto, mas que me permitiu um olhar de estranhamento - e eu percebi que não sabia ensinar em silêncio, não sabia sorrir só na medida certa, e não mais, e eu não sabia muitas outras coisas que estavam claras para mim, na teoria. Então, eu comecei a procurar um curso, até encontrar o do Centro de Educação Montessori de São Paulo. E agora eu respondo a pergunta que coloquei no título deste artigo: Por que fazer um curso? Bom, primeiro porque é a única forma de conviver por quinze dias seguidos com um grupo de pessoas que está buscando a mesma coisa que você. Nunca, em nenhum outro meio, há a possibilidade de tantos professores que enxerguem a criança de forma semelhante conversarem e trocarem impressões, debaterem com imenso respeito e discordarem com um carinho que beira o amor. A possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e tomar o lanche da tarde com professores montessorianos ou aspirantes a montessorianos e de chegar em casa e ainda precisar pensar, refletir, ler e escrever sobre Montessori durante uma quinzena é o tipo de imersão que torna qualquer um mais ciente de suas limitações e necessidades, mas também mais consciente de seu sonho e do imenso objetivo que deseja atingir. Estar com professores que têm mais de vinte ou trinta anos de Montessori nas costas e que conhecem uma sala como conhecem as pontas dos dedos das próprias mãos é fabuloso. Talvez fosse mesmo possível aprender tudo pelos livros e pelos websites. No entanto, em três anos pesquisando e observando salas, eu aprendi menos do que em duas semanas com professores extremamente capacitados. Há, na Índia, um coceito chamado kripa, que poderia ser traduzido como "o toque do mestre". Há histórias sobre este conceito. Em uma delas, Vivekananda, discípulo do grande Ramakrishna, um mestre hindu, dizia: "Mestre querido, eu acredito no senhor, e faço tudo o que o senhor ordena. Mas essa história de iluminação, de libertação, ela não é bem verdadeira né? Não acontece de verdade...". Em resposta, Ramakrishna, que era um homem equilibrado, mas enérgico, deu um soco na testa de Vivekananda. Vivakananda caiu sentado com as pernas cruzadas e de olhos fechados. Um instante depois abriu os olhos e disse: "Então é verdade!". Na tradição hindu, o toque do mestre poupa ao discípulo dezenas de anos de prática. Nem sempre o toque é dado, mas quando o é, dizem que uma vida inteira pode se resumir a ele. Em menor escala, é exatamente isto o que acontece com um curso de formação montessoriana. Até iniciá-lo, você lê Montessori, compreende os conceitos, visita salas, entende que tudo é fantástico. Mas é difícil acreditar que "aquilo é verdade mesmo". O curso é o toque do mestre. Ele lhe mostra não só que "Então é verdade!", mas também mostra como é verdade, de que forma torna-se verdade e porquê é verdade. Um curso poupa ao discípulo, senão dezenas, muitos anos de prática. Por isso, pela companhia de pessoas incríveis e especiais, pela dedicação intensa que se há de ter, e pelo toque do mestre, é que se deve fazer um curso Montessori. Se você ainda não começou a estudar Montessori, tudo bem. Um curso de formação é sem a menor dúvida a melhor maneira de começar. Você não ficará cansado da teoria, pois ela será misturada à prática, diluída na convivência e explicada por pessoas experientes. Se você já começou, um curso é a melhor maneira de potencializar o que você sabe e, por que não, dividir com pessoas ansiosas por conhecer mais!
2 Comentários
10/3/2013 13:25:04
Concordo que nós nunca paramos de aprender com as nossas colegas. Também nós temos que nutrir a nossa capacidade de realmente observar a criança para conhecer e servir ela de modo que ela pode ensinar a si mesma.
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Paige Geiger
11/3/2013 13:44:06
Obrigada, Marion, por lembrar que todos nós estamos aprendendo sempre. E obrigada, Gabriel, por sua visão do aprendiz. Mesmo num curso de formação os alunos juntos aos professores e palestrantes estão numa situação de aprendizagem constante. Cada observação e reflexão traz um novo olhar. Vamos olhar novamente para nosso trabalho, nossos estudos e nossas "certezas" para atingir o objetivo Montessoriano: "olhe para a criança e conheça esta criança."
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AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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