Em 2006 um artigo publicado na revista Science abriu sorrisos em toda a comunidade montessoriana. Angeline Lillard, professora da Universidade de Virgínia, parecia provar que Montessori era mesmo melhor do que as outras abordagens de educação. Os resultados que davam suporte a Montessori iam desde o aprendizado de leitura e matemática, até as relações entre as crianças. Nós ficamos profundamente satisfeitos. Tão satisfeitos, de fato, que por vezes deixamos passar em branco o final do artigo original, em que a autora nos diz: “Seria útil replicar essas pesquisas em diferentes escolas montessorianas, que variam muito. As escolas envolvidas aqui eram afiliadas à Associação Montessori Internacional, que tem uma aplicação [de Montessori] relativamente rigorosa. [...] Ao menos quando estritamente implementada, a educação montessoriana nutre o desenvolvimento de habilidades sociais e acadêmicas iguais ou superiores aos de uma série de outras escolas”. O comentário final de Lillard é de importância total. O rigor científico da autora, comparável ao de Montessori ela mesma, exige dizer que os resultados excelentes encontrados referem-se a um tipo específico de uso de Montessori, relacionado à fidelidade das escolas às propostas originais de Montessori. Ocorre que, ao longo de anos, depois, Lillard retornou aos estudos sobre Montessori, e encontrou pelo menos o que faz variar a fidelidade às ideias de Montessori na prática das escolas. Em um primeiro artigo (de 2012), Lillard propõe quatro características como determinantes de um programa de aplicação de Montessori com alta fidelidade:
Quanto às adaptações que determinam a fidelidade mais baixa à proposta original de Montessori, Lillard propõe cinco itens:
A autora nos explica que diversos estudos, com resultados diferentes, já foram feitos envolvendo Montessori. Alguns com bons resultados para nós, outros nem tanto. Longamente, expõe os estudos com bons e maus resultados, e nota que todos aqueles com bons resultados foram feitos em escolas que seguiam os primeiros quatro determinantes de alta fidelidade, enquanto que os resultados menos positivos foram encontrados com escolas que utilizavam pelo menos um dos determinantes de baixa fidelidade. Em seguida, expõe seu estudo atual: uma comparação do desempenho de crianças em dois grupos de escolas montessorianas. No primeiro grupo, utilizava-se somente o material montessoriano, havia um ciclo de trabalho de três horas todos os dias, e um adulto na sala era claramente o professor, responsável pela maior parte das interações com as crianças, enquanto o outro adulto cumpria muito mais frequentemente o papel de observador. No segundo grupo, utilizava-se material e brinquedo suplementar (como Lego, quabra-cabeças, livros de exercícios, projetos de artesanato e jogos da memória), o ciclo de trabalho era quebrado algumas vezes por semana por aulas extracurriculares, e um segundo adulto interagia com as crianças com tanta frequência quanto o primeiro. O estudo também propõe uma comparação com escolas tradicionais de alta qualidade (a descrição das escolas tradicionais pode ser lida no artigo original). Algumas variáveis entre as escolas foram testadas e não se encontrou diferenças significativas de desempenho entre os alunos. Essas variáveis foram desde anos de experiência dos professores até o tipo de certificação (AMI/AMS) dos professores montessorianos. Outras variáveis foram consideradas importantes, como escolarização das famílias, por exemplo. Tudo levado em conta, os resultados foram: Identificação Letra-Palavra: Os alunos das escolas de maior fidelidade a Montessori avançaram 11,28 pontos ao longo de um ano. Os das escolas de menor fidelidade, 5,61 pontos. Os das escolas tradicionais, 5,90 pontos. A diferença significativa é entre as escolas Montessori de maior fidelidade e ambos os outros programas. Vocabulário com Figuras: Os alunos das escolas de maior fidelidade a Montessori avançaram 2,92 pontos ao longo de um ano. Os das escolas de menor fidelidade, 0,95 pontos. Os das escolas tradicionais, 1,08 pontos. A diferença significativa é entre a escola Montessori de maior fidelidade e a de menor. A diferença entre o programa Montessori de maior fidelidade e o tradicional, aqui, é interpretada como pequena demais para ser considerada. Problemas: Os alunos das escolas de maior fidelidade a Montessori avançaram 4,58 pontos ao longo de um ano. Os das escolas de menor fidelidade, 3,09 pontos. Os das escolas tradicionais, 3,53 pontos. A diferença significativa é entre a escola Montessori de maior fidelidade e a de menor. A diferença entre o programa Montessori de maior fidelidade e o tradicional, aqui, é interpretada como pequena demais para ser considerada. Seguir ordens confusas: Os alunos das escolas de maior fidelidade a Montessori avançaram 13,72 pontos ao longo de um ano. Os das escolas de menor fidelidade, 7,34 pontos. Os das escolas tradicionais, 7,85 pontos. A diferença significativa é entre as escolas Montessori de maior fidelidade e ambos os outros programas. Resolução de problemas de interação social: Os alunos das escolas de maior fidelidade a Montessori avançaram 0,33 ponto ao longo de um ano. Os das escolas de menor fidelidade não mudaram. Os das escolas tradicionais tiveram uma diminuição de -0,07 ponto A diferença significativa é entre a escola Montessori de maior fidelidade e o programa tradicional. A diferença entre o programa Montessori de maior fidelidade e o de menor, aqui, é interpretada como pequena demais para ser considerada. Teorias da mente: Os alunos das escolas de maior fidelidade a Montessori avançaram 0,39 ponto ao longo de um ano. Os adas escolas de menor fidelidade, 0,26 ponto. Os das escolas tradicionais, 0,12 ponto. Nenhuma dessas diferenças é significativa. Fica evidente pelos resultados que as escolas montessorianas de maior fidelidade ao método estabelecido por Maria Montessori oferecem ganhos superiores às crianças. Sobre a fidelidade e a adaptação, Lillard escreve: “Precisamente a adaptação de Montessori nos Estados Unidos [onde o estudo foi conduzido] , incluindo sua abertura para a presença de materiais suplementares, pode ser a chave para sua permanência. [...] É irônico que o próprio elemento que pode aumentar a sobrevivência de um programa possa também reduzir sua eficácia, embora seja importante notar que os programas montessorianos suplementados [os de menor fidelidade] ficaram em geral equiparados a programas tradicionais de alta qualidade estudados aqui” (grifo nosso). O grifo em que insistimos na citação acima tem um propósito. Ele significa que mesmo uma escola montessoriana de menor fidelidade em relação às ideias de Maria Montessori ainda tem chances de ser uma escola boa, num nível comparável ao de escolas tradicionais também boas. Infelizmente, entretanto, não é a mesma coisa, para o desenvolvimento infantil, propor uma escola montessoriana que faça por aderir completamente às ideias de Montessori, e propor uma que adapte elementos do método. Na adaptação, aparentemente, não se ganha muito (a não ser, é claro, a própria sobrevivência do método). Mais uma vez, é importante retornarmos a Montessori, e retomarmos esforços para a construção de uma escola que, sem adaptações, traga para o presente aquilo que parece ser, até aqui, o melhor programa educacional possível, aderindo ao máximo às ideias de Montessori. Vale notar que as escolas de maior fidelidade pesquisadas eram ligadas à Associação Montessori Internacional, mas os fatores determinantes enumerados por Lillard não foram retirados de cursos de formação ou de entrevistas com professores, mas de livros de Maria Montessori. O ponto de partida nos livros de Maria Montessori pode ser comum a qualquer escola e qualquer formação – em centros especializados ou dentro da escola, entre equipes e coordenações – e, partindo das ideias de Montessori, podemos ir muito longe. Temos um longo e possivelmente belo ano letivo pela frente. Vamos fazer dele um ano de ajudar a vida? __________
Referências: Artigo de 2006 - Evaluating Montessori Education (Angeline Lillard): http://www.public-montessori.org/sites/default/files/resources/Lillard_science_article_9_29_2006.pdf Artigo de 2012 - Preschool children's development in classic Montessori, supplemented Montessori, and conventional programs ( Angeline Lillard): http://www.faculty.virginia.edu/ASLillard/PDFs/Lillard%20(2012).pdf
6 Comentários
9/2/2017 06:16:12
Este artigo precisa estar a disposição de pais que estão a procura de uma escola Montessori e também para as escolas Montessori que seguem os quatro princípios e as que não.
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Mariana Machicao
9/2/2017 13:12:34
Con tu permiso lo traduzco y comparto en Montessori Bolivia y otros grupos mios. Me encanta lo que publicas Gabriel, me encanta!
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Paige Geiger
10/2/2017 17:13:28
Obrigada, Gabriel. Estas pesquisas de Lillard devem ser requerimentos para leitura nas escolas e centros de formação Montessorianos.
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Fernanda Beloube
10/2/2017 20:03:15
Muito bom o artigo. Um guia para quem procura escola Montessori e para as escolas que pretendem ser Montessorianas. Vale uma discussão!
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Lorraine Teles Santana
10/2/2017 21:12:45
Obrigada pela reflexão que nos permite avançar rumo a uma metodologia mais aprimorada e fiel, pois está é a nossa verdadeira missão: uma educação de qualidade.
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Talita Veronezi
7/9/2017 09:50:44
Muito boa a pesquisa, e fico pensando que é preciso pensar em uma forma de identificar escolas Montessori fidedignas ao método e filosofia. Porque conheço pessoas que colocaram seus Filhos em escolas intituladas Montessori, no entanto tiveram experiências ruins, especialmente de desenvolvimento infantil e saíram disseminando a informação que a escola Montessori (em geral) é ruim e atrasada.
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AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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