Nós sabemos desde 2006 que quando corretamente utilizada, a pedagogia montessoriana dá às crianças oportunidades melhores que a educação tradicional, e conduz a resultados superiores tanto no que diz respeito ao desempenho acadêmico, quanto no que tange ao prazer da criança na escola e a qualidade de suas formas de socialização. Isso foi explicado por Angeline Lillard em um celebrado artigo publicado na revista Science. Desde lá, a pesquisadora não cessa de nos desafiar a dar passos mais corajosos em duas direções: uma aplicação que ela chama de “mais fiel” às ideias de Montessori e uma expansão corajosa do alcance dessas ideias. Estou para escrever este texto desde julho, mas só agora posso fazer isso, porque as descobertas que Lillard comunicou no Congresso Internacional de Montessori, em Praga, acabam de ser publicadas em um novo artigo. Antes de continuarmos: o estudo foi conduzido em escolas montessorianas ligadas à Associação Montessori Internacional, reconhecidas por aplicarem Montessori com alta fidelidade. Abaixo, há um quadro com algumas das características dessas escolas. Em sua nova pesquisa, que durou três anos e envolveu 141 crianças, em escolas tradicionais e montessorianas, Lillard descobriu que não só Montessori oferece resultados melhores para todas as crianças, mas o método também é capaz de resolver a desigualdade de desempenho acadêmico entre crianças de classes mais e menos abastadas, assim como ajudar no aprendizado de crianças que não tiveram a oportunidade de um bom desenvolvimento de Funções Executivas no cérebro. Explicando, de uma vez, uma solução possível de verdade para a desigualdade na educação e deixando claro um dos motivos pelos quais a inclusão em Montessori efetivamente funciona. Veja o artigo completo original aqui. Também vale a pena assistir à palestra de Lillard, logo antes da publicação, abaixo. Agora, vamos aos resultados. Diferenças entre escolas Montessori e Convencionais 1. Desempenho Acadêmico: • Desempenho igual no começo do ano; • Os alunos de Montessori avançaram mais rapidamente. • Uma vez isolados por gênero, renda e desenvolvimento de Funções Executivas, os alunos montessorianos continuaram a ter um desempenho superior. • As principais diferenças apareceram depois de pelo menos um ou dois anos na mesma sala de idades mistas na escola montessoriana. 2. Inteligência Social: • Desempenho parecido nos primeiros anos, entre alunos de escolas convencionais e montessorianas. • Desempenho significativamente diferente depois de um ou dois anos na escola montessoriana. • A inteligência social se desenvolveu mais rapidamente em crianças que atendiam escolas montessorianas. 3. Resolução de Problemas de Socialização: • Não houve nenhuma diferença, neste estudo, no que diz respeito à resolução de problemas de socialização entre crianças que atendiam escolas montessorianas e crianças que atendiam escolas convencionais. 4. Desenvolvimento de Funções Executivas: • Neste estudo, não houve evidências fortes de que as escolas montessorianas envolvidas levassem a um melhor desenvolvimento de Funções Executivas. 5. Orientação para Maestria (Mastery Orientation): • No início, não houve diferenças no que diz respeito ao prazer de tentar novos desafios, entre crianças das escolas montessorianas e das escolas convencionais. • Crianças na escola montessoriana demonstraram muito mais vontade de tentar novos desafios depois de um ou dois anos na escola montessoriana, com explicações como “Quero tentar porque acho que consigo”. 6. Prazer de Estar na Escola: • As crianças montessorianas sentem mais de prazer em estar na escola. • Isso indica que seu desempenho superior não ocorre às custas da perda do prazer de estar na escola e fazer atividades escolares. (Isso confirma resultados de 2006, inclusive). • O gráfico abaixo mostra médias, mínimas e máximas das medidas de prazer envolvendo atividades recreativas e de estudo nas escolas convencionais (cinza) e montessorianas (azul). 7. Criatividade • Ao longo de todo o estudo, não houve diferenças no que diz respeito ao desenvolvimento da criatividade, entre a média das crianças em Montessori e em escolas convencionais. Agora, ao meu ver, vem a parte mais interessante do estudo, na qual Lillard demonstra que Montessori pode consertar o desnível que existiria entre crianças de diferentes classes sociais na escola. Diferenças de Desempenho Envolvendo Classes Sociais e Funções Executivas 1. Diferenças entre Montessori e Escolas Convencionais • As crianças nas escolas montessorianas tiveram um desempenho acadêmico muito superior às crianças nas escolas convencionais, independente da classe social. • Quando isoladas por classe social, esse desempenho acadêmico continuou díspar. As crianças com renda familiar muito menor que estavam em escolas montessorianas tiveram desempenhos melhores que as crianças com renda familiar menor em escolas convencionais. 2. Diferenças (ou não) entre crianças com maior e menor renda famílias em Montessori • No início, havia uma diferença marcante entre crianças com maior e menor renda familiar, mesmo na escola montessoriana. Isso valeu para o primeiro ano inteiro. • No segundo ano, essa diferença se reduziu tanto, que se tornou estatisticamente insignificante. • No terceiro ano, reduziu novamente, mais 33%. • A diferença entre crianças de maior e menor renda familiar nas escolas convencionais envolvidas no estudo era estatisticamente muito superior à encontrada entre crianças das escolas montessorianas. • As crianças com maior renda familiar e matriculadas em escolas montessorianas foram as que tiveram o melhor desempenho do estudo, mas a diferença entre as crianças com menor renda familiar na escola montessoriana e aquelas da escola convencional foi marcante, e as montessorianas se saíam muito melhor no final da Educação Infantil. 3. Diferenças de Desempenho envolvendo diferentes desenvolvimentos de Funções Executivas • No início, um melhor desenvolvimento de funções executivas era indicativo de um melhor desempenho, tanto nas escolas montessorianas quanto nas escolas convencionais. • Ao longo das medidas, o desenvolvimento de funções executivas continuo sendo um indicativo importante de desempenho para as crianças em escolas convencionais. • Nas escolas montessorianas, o desenvolvimento de funções executivas não se mostrou um indicador relevante de desempenho. • As crianças das escolas montessorianas se saíram melhor, em geral, e isso inclui as crianças com um desenvolvimento de funções executivas pior. • Programas de reforço com o objetivo de melhorar o desenvolvimento de funções executivas são irrelevantes em escolas montessorianas, para equalizar desempenho. Há uma última seção do estudo sobre diferenças entre escolas públicas e privadas, convencionais, comparadas com escolas montessorianas envolvendo crianças com todos os níveis de renda familiar e desenvolvimento de funções executivas. Ela nos interessa menos porque as diferenças entre escolas públicas e privadas no contexto pesquisado é, em si, muito diferente das diferenças que encontramos aqui. Ainda assim, os resultados foram: 1. Desempenho acadêmico • Diferença marcante e favorável a Montessori, em comparação com escolas públicas e com escolas privadas. 2. Inteligência Social • Diferenças importantes entre Montessori e escolas públicas, mas não entre Montessori e escolas privadas. 3. Funções Executivas • Diferenças marcantes entre as crianças que foram para escolas montessorianas públicas e crianças que foram para escolas convencionais, também públicas. Os resultados são estes. Depois, Lillard continua para uma discussão dos possíveis motivos para esses resultados, que já não envolvem mais a mesma pesquisa, mas uma boa bibliografia pesquisada, tanto no meio científico específico da psicologia congnitiva quanto no que diz respeito a Montessori. Futuramente, podemos fazer mais um texto, detalhando a discussão que finaliza o artigo. Para nós, do Centro de Educação Montessori de São Paulo, os seus comentários são importantes. O que você vê na sua escola quanto ao que Lillard estudou? A implementação de uma aplicação mais fiel ao pensamento de Montessori vem favorecendo suas crianças de forma perceptível? Quando você recebe crianças de outras escolas, como é a evolução delas em Montessori, ao longo dos anos? Vai ser um prazer ler o que você tiver para adicionar à nossa discussão.
1 Comentário
Glauco Silva
29/4/2021 16:10:06
Texto fantástico. Que bom que você achou tempo para escrevê-lo. Principalmente por fazê-lo em português. Gratidão!
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AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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