Esta disciplina deverá emergir na criança a partir de seu interesse verdadeiro, espontâneo pelo mundo que a cerca. Para Montessori, a natureza profunda da criança já é guia para essa disciplina a serviço do conhecimento do mundo. Porém, em muitos casos, quando essa natureza não é cultivada - e muitas vezes tendo sido até oprimida - encontra-se adormecida e deverá ser novamente despertada.[1]
“A disciplina nascerá quando a criança concentrar sua atenção no objeto que a atrai e permite não só um útil exercício, mas a verificação do erro. Graças a estes exercícios, cria-se uma admirável coordenação da individualidade infantil, pela qual a criança se torna calma, radiosamente feliz, ocupada, esquecida de si, por consequência, indiferente aos prêmios ou recompensas materiais. Estas crianças conquistadoras de si mesmas e do mundo que as circunda são verdadeiros super-homens que a nós revelam a divina alma que há no homem.” [2]
São os materiais então que terão o função de acordar a criança para o seu interesse verdadeiro. Nesse contexto, o professor é o mediador entre os materiais e a criança; é ele quem apresenta os materiais, ao mesmo tempo em que observa atentamente como a criança se relaciona com cada um deles, pois a normalização consiste justamente em conduzir a criança a encontrar trabalhos que façam sentido para ela. O professor trabalha, portanto, para fazer despontar na criança uma “disciplina espontânea”, ou seja, uma “disciplina na liberdade”. Quando isso acontece, as características ditas negativas da criança desaparecem à medida em que o trabalho traz à tona um aspecto psíquico novo – antes oculto (ou inconsciente) – que para Maria Montessori é a verdadeira aspiração da criança: a constância no trabalho.[3]
Para conduzir as crianças à normalização, o professor terá que:
- a partir da observação da atividade da criança, distinguir nela sua energia espontânea para a aprendizagem de sua personalidade superficial que se movimenta desordenadamente;
- a partir dessa discriminação, guiar a criança em seu desenvolvimento, incentivando as expressões impulsionadas pelos aspectos positivos;
- respeitar e incentivar as manifestações da inteligência curiosa da criança;
- acompanhar a criança em seu movimento próprio, singular; observar e buscar entender sua forma de agir e de interagir, de modo a favorecer o seu crescimento;
- conhecer e respeitar os estágios de desenvolvimento correspondentes à cada faixa etária;
- nutrir sua própria curiosidade e a da criança para novas possibilidades, encantando-se diante dos mistérios da vida;
- ajudar a criança a concretizar o seu natural potencial criador;
- ser um pesquisador de si mesmo, promovendo ações que visem o autoconhecimento[4] como forma de incessante desenvolvimento pessoal.
O professor é portanto, o grande zelador do edifício Montessori, responsabilizando-se pela promoção e cuidado de um ambiente educativo em seu mais amplo sentido. Além dos cuidados constantes com o ambiente físico, incluindo a sala de aula e os materiais específicos de cada área de atividade, o educador é também o criador e o mantenedor da atmosfera da normalização, indispensável à aprendizagem e ao desenvolvimento das crianças em direção à sua autonomia.
[1] “Mas sabedoria e disciplina estão a espera de serem despertadas na criança.” (MONTESSORI, Mente Absorvente, p. 219).
[2] MONTESSORI, Mente Absorvente, p. 218.
[3] “… verifiquei que tais características desaparecem mal as crianças se interessam por um trabalho que as atraia…” (MONTESSORI, Mente Absorvente, p. 169).
[4] Autoconhecimento como desenvolvimento pessoal: a tarefa de ser guia, sem no entanto, arrogar ensinar, exige autoconhecimento. Autoconhecimento significa tornar-se mais e mais consciente de si mesmo, de suas reações, de suas crenças, de seus pensamentos e sentimentos para observar e perceber como este “si mesmo” opera no papel de educador. Somente um adulto engajado em conhecer-se pode se desenvolver como educador e com isso ser ponte para o desenvolvimento da criança. Assim como na alfabetização, todo o patrimônio linguístico do educador, seu nível de vocabulário, de pensamento, expressão gestual, verbal, são fatores a serem constantemente revistos e desenvolvidos, o desenvolvimento global da criança também depende do desenvolvimento pessoal do educador, uma vez que só se transmite aquilo que se possui internalizado e integrado. Um educador não preparado pode tanto impedir, como não conduzir, uma criança para o desenvolvimento de seus desígnios, causando nela as fugas ou desvios (posse, medo, dependência, insegurança), comportamentos certamente opostos e impeditivos ao sentido do próprio desenvolvimento humano, qual seja, o atingimento da maturidade e a independência individuais, estas por sua vez, promotoras de um convívio humano harmônico e solidário. A preparação do adulto envolve portanto, a assunção de um desenvolver-se constante, incessante, de um olhar para cada novo mistério que a vida propõe, mistérios estes, que no caso de um educador, são trazidos no mais das vezes, pelas próprias crianças e sua incessante necessidade de desenvolvimento. (MONTESSORI, A criança, pp. 140/165 e MONTESSORI, Educação para o desenvolvimento humano, pp. 84/94).
Alexandra Rodrigues Pinto, brasileira, residente em São Paulo. Musicista graduada pela Faculdade de Artes Alcântara Machado e advogada especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito. Psicopedagoga licenciada pela UNIARA e formanda em Educação Infantil Montessori (3 a 6 anos) pelo CEMSP. Atua em projetos para a Educação Integral de crianças e adolescentes em Instituições do Terceiro Setor. Diretora Presidente do Instituto Outra História, desenvolve um trabalho de pesquisa em Educação e Desenvolvimento Humano a partir do uso das linguagens das artes e das histórias da tradição oral da humanidade.
Olga Molina, Brasileira, residente em São Paulo e professora de música no ensino infantil e fundamental na Escola Graduada de São Paulo desde 1994. Especialista no Método Kodaly pela Danube Bend Summer University de Esztergom (Hungria) e em Musicoterapia pelas Faculdades Metropolitanas Unidas, SP. Destacam-se também em sua formação cursos sobre o Método Willems com Jacques Chapuis, Orff Schulwerk com Verena Maschat, Música para Bebés com Wakquiria Passos Claro e Josette Feres (Brasil) e Formação Musical para Crianças com Martine Barret (França). Estudou percepção musical no Conservatório Brooklin Paulista. É formada em Letras (português/inglês) pela PUC-SP e em piano pelo Conservatório Musical Paulistano. É diretora do Conservatório Musical Mozart (São Paulo) onde atua como Coordenadora dos Cursos de Formação para Professores de Música. Colaboradora do livro "Música na Escola"(MEC, 2012)