Em nosso texto anterior, trabalhamos em cima de perguntas feitas por quem escuta que em Montessori se educa sem provas. Uma outra pergunta comum é: “Tudo bem, mas como é que vocês fazem para garantir que as crianças estão aprendendo?” e também: “Elas aprendem tanto quanto na escola tradicional?”.
Começando pela segunda pergunta, a resposta é sim. Uma criança no fim do Ensino Fundamental I de uma boa escola montessoriana sabe muito mais do que o habitual. Uma criança no final da pré-escola montessoriana também. A quantidade de conhecimentos culturais, científicos, linguísticos e históricos a que essas crianças são expostas de forma agradável e de acordo com seu momento de desenvolvimento é incrível, e o pensamento lógico-matemático, do qual derivará o pensamento científico, é estimulado desde muito cedo na vida das crianças. Por isso, elas aprendem muito, com facilidade e, pode-se dizer, sem sequer perceberem. Para garantir que as crianças estão aprendendo, nós temos duas ferramentas muito úteis. Primeiro, uma conexão profunda entre os materiais e uma sequência na utilização destes. A destreza na utilização de um material nos mostra que a criança já compreendeu o que devia aprender ali, e o fato de uma criança escolher muito aquele material por um período e depois deixar de escolhê-lo deixa claro para nós que ela passou por um momento de trabalho intenso para adquirir uma habilidade, e depois de adquiri-la, foi em frente para o próximo trabalho interessante. Como os materiais contam com controles de erro internos, em sua maior parte, nós não precisamos corrigir as crianças, e nos basta observar como ela lida com os erros que comete e quando finalmente os supera. A outra ferramenta extremamente útil em nosso trabalho é a observação científica. Nós observamos as crianças de maneira sistemática e controlada, e assim sabemos com um grau relativamente alto de exatidão do que é que elas precisam em um momento de seu desenvolvimento. Como trabalhamos com as crianças de forma individual, podemos observar e atender de verdade as necessidades de cada criança. O planejamento de uma escola montessoriana não é coletivo. Não é feito pelo tempo do professor (com atividades de 15 ou 20 minutos separadas por intervalos de 5 minutos e o lanche), mas pelo tempo do aluno, com apresentações, abstenções de interferência, espera, observação e respeito. Conforme a criança progride ao longo do Ensino Fundamental I, II e Ensino Médio, nosso trabalho ganha alternativas. Além do empenho com os materiais concretos, a criança agora dará sua atenção a operações mais e mais abstratas, assim como a trabalhos maiores, mais longos e com mais participantes. O professor, então, além de observar, precisa ser algumas vezes um orientador de trabalho, e com ainda mais frequência conforme a criança cresce, um personagem sempre aberto ao debate, à conversa, à discussão franca e honesta. Por meio da observação acrescida do exame minucioso do trabalho produzido em parceria com a criança, assim como do debate e da conversa que se sigam sempre a uma investigação do aluno, o professor percebe, individualmente, os progressos e as necessidades de cada criança, e pode cuidar de cada um de maneira única e atenciosa. Em um resumo excessivamente sucinto, é por isso que, em Montessori, conseguimos educar sem provas sempre. Montessori não acreditava nas provas para nenhum nível do ensino escolar e, hoje, cada vez mais escolas montessorianas se esforçam por abolir, pouco a pouco, todo vestígio de prova nas instituições. Na educação comum, entretanto, as provas ainda são a pedra fundamental de todo o processo educacional. Isso pode ser discutido de forma conceitual, mas é ainda mais interessante que seja pensado de forma empírica. É aceitável para muitas escolas que se insira um material concreto na sala, que a disposição das carteiras se altere, que a divisão por faixas etárias mude, que haja um horário mais flexível. Ainda assim, é inadmissível para quase todas que as provas sejam abolidas de uma vez por todas. É interessante constatar que se as provas não forem abolidas, na verdade se altera muito pouco. O material didático concreto, a disposição das carteiras, o horário, as faixas etárias... tudo isso pode fazer com que as crianças aprendam mais e melhor. Pode tornar a escola, ainda sob o modelo das linhas de montagem, mais eficiente. Pode fazer com que mais resultado seja possível em menos tempo. Mas nada disso altera a noção fundamental de que há metas muito precisas com prazos muito precisos, e nada disso altera a noção fundamental de que se pode avaliar o aprendizado de uma criança em um período de quarenta minutos em que uma criança é proibida de ajudar seus amigos, contar com a ajuda deles, e em que deve temer o professor se consultar o acervo infinito de sabedoria da humanidade em livros, revistas, anotações ou páginas virtuais. Sucintamente, a reorganização do processo de ensino não é a alteração do processo de educação. Este exige que não haja provas – exige que se altere a pedra fundamental e se construa tudo de novo. Por sorte, temos Montessori como uma excelente planta para a construção, e todo o material disponível para isso. Em uma escola comum, e mesmo em escolas que buscam a aplicação genuína de Montessori, é possível trocar as provas por outras formas de avaliação. Em escolas montessorianas, a sequência de materiais com controle de erro, aliada a uma cuidadosa observação científica e muita conversa, debate e avaliação contínua do trabalho individual das crianças são nossas melhores alternativas. Para escolas não-montessorianas, damos algumas opções de avaliação, e pedimos que você compartilhe conosco o que conseguiu desenvolver em suas escolas. Avaliação Continuada por Atividades: é possível dar atividades para as crianças e pedir que as realizem. Estruturando a escola para que as crianças possam aprender com essas tarefas, em leitura, vídeos, debates, e assim diminuindo o tempo de aula e aumentando o tempo de estudo. Os prazos continuam a existir, mas as crianças trabalham mais ativamente e aprendem muito mais. Avaliação Continuada por Projetos de Pesquisa: nesse caso, as atividades seriam muito mais longas, e poderiam acontecer em casa, ao longo de períodos extensos de tempo. Para isso funcionar, pode ser importante que várias disciplinas sejam unidas em um projeto, para que a criança não fique muito sobrecarregada de trabalhos, já que não se mexe na intensidade de aulas da escola e no tempo ocupado por elas. Trabalho por Projetos: A pedagogia de projetos é amplamente reconhecida e há muito escrito sobre ela. É uma alternativa brilhante, desde que o projeto não seja menos sério ou menos importante do que a prova. Se há nota, é necessário pensar no peso que o projeto terá, ou que a avaliação continuada terá. E esse peso não pode ser menor que o da prova. Caso contrário, a prova continua sendo a avaliação maior, e todos os problemas da prova persistem. Provas Individuais: Pensar na prova de acordo com o progresso de cada aluno pode funcionar junto com a avaliação continuada por atividades, com provas feitas para determinados momentos e aplicadas quando a criança alcança esse momento do aprendizado. Pode-se permitir consulta. Assim, não se conserta a questão da cooperação, mas se resolve a questão dos prazos e da consulta. Construção de Teorias por Estudo Independente: Em lugar de aulas, as crianças podem ler muito, e tirar dúvidas e discutir o tempo todo. Isso exige um professor polivalente em sala de aula de grande competência. Assim, as crianças constroem teorias e com base nessas teorias podem fazer até mesmo Provas Individuais depois. É claro que não propomos aqui que você altere todo o funcionamento de sua escola com base neste texto. É ideia é que ele funcione como um catalizador. A partir dele você pode pensar, acelerar as coisas, ler muito mais em muitos lugares diferentes, reestruturar a escola, formar a equipe e transformar o trabalho. A ideia é que ele ajude você a dar o primeiro passo, ou a lembrar de uma vontade antiga de fazer diferente e retomar aquele projeto antigo de educação incrível que deu origem à escola. Vamos juntos, mudar a educação no Brasil é tarefa de todos nós, conjuntamente. Eu gostaria de terminar este texto com uma inspiradora frase de Maria Montessori em Formação do Homem: “Em toda parte se deveria dar esse passo decisivo: aproveitar todos os esforços daqueles que, em diversas tentativas, têm procurado educar a infância”.
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AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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