Há muitos mundos reais, mas entraríamos aí nos ramos das filosofias de final de semana. Quando se faz essa pergunta, há três mundos reais a que se refere a frase: um é a escola comum, o segundo é o vestibular e o terceiro é o mercado de trabalho comum. Para cada um destes há um ponto a discutir muito brevemente em parágrafos distintos abaixo.
É uma pena, mas um dia a criança precisará ir para a escola comum. Isso terá de acontecer, no Brasil, porque ainda não temos Ensino Médio Montessori. É um sonho que vale a pena sonhar, mas ainda não é nossa realidade. E quando a criança for para a escola comum, ela se sairá muito, muito bem. E por “muito muito bem” eu me refiro às notas dela. Ela terá notas excelentes. O motivo principal é o desenvolvimento incrível das Funções Executivas dela ao longo dos primeiros anos de vida, na sala das crianças de três a seis anos. Ela será, então, concentrada, terá um ritmo de trabalho muito bom, saberá escolher com bons critérios e terá um comportamento social elogiável. Isso é resultado do desenvolvimento incrível das Funções Executivas do cérebro, que é resultado das atividades de Vida Prática na sala de aula montessoriana.
Mas mais do que excelentes notas e observações elogiosas dos professores, essa criança se sairá muito, muito bem, porque ela saberá que há outras coisas além da escola, há um mundo além da escola, e ela terá imenso prazer em descobrir esse mundo. Se você é pai ou mãe de uma criança que estudou em Montessori até os seis anos, não permita que a escola comum apague a chama do aprendizado e da inteligência em sua criança. Em casa, em seu tempo livre e na rua, o tempo todo converse com ela sobre coisas interessantes, leia livros interessantes, até mesmo assista coisas interessantes na televisão.
E se você é professor de uma escola comum, e recebeu alunos de uma escola montessoriana, tenha tolerância com eles, e procure se divertir com eles. Eles vão fazer perguntas desconcertantes, difíceis, constrangedoras, desafiadoras... interessantes. Eles vão questionar muito, muita coisa. E no mundo real que sonhamos, todos nós questionaríamos muitas coisas: por que há quem tenha água e quem não tenha? Por que 1% da população do mundo tem o mesmo dinheiro de 3,5 bilhões de pessoas mais pobres? Por que alguns países fomentam guerras e por que eles não são punidos por isso? É esse o adulto que sonhamos, para o mundo real que queremos. A criança merece espaço para desabrochar.
Sobre o vestibular a conversa é muito mais fácil. O vestibular é um detalhe, importante, mas um detalhe, no caminho de uma criança educada em Montessori. Quanto mais anos ela passou em Montessori, mais isso é verdade. Ensinamos mais, e não menos, do que a escola comum. O grau de exigência de uma criança sobre si mesma, quando deixada em liberdade em um ambiente preparado, é muito mais alto do que o grau de exigência que um adulto saudável imporia sobre ela. Ao longo da vida escolar a criança deseja aprender, deseja explorar e conhecer mais. Em uma escola Montessori, permite-se isso, dá-se todo o apoio para que isso aconteça. Quando chega a hora do vestibular, o adolescente saber ler bem, escrever bem, e aprendeu ao longo de sua vida muito daquilo que se pedirá dele. Talvez seja necessário um treinamento específico para a prova, porque ela é artificial. Mas esse treinamento não precisa durar os quatorze anos da educação da criança, pode durar alguns meses somente.
No mundo do trabalho o adulto precisa contar com habilidades que desenvolveu ao longo da vida. É verdade que um excelente conhecimento de mundo – geográfico, linguístico, histórico, matemático, físico, social – é sempre positivo, sempre de grande ajuda, e não é por menos que o conteúdo curricular de uma escola montessoriana é denso, profundo e longo. Mas o adulto precisará contar ainda mais com suas habilidades de socialização, raciocínio lógico, raciocínio estratégico, planejamento temporal, resiliência, humor, tranquilidade, criatividade, inovação. Brené Brown em uma de suas palestras diz que todos querem que se fale de criatividade e inovação, mas ninguém quer que se fale de vulnerabilidade. A vulnerabilidade é onde nasce a criatividade e a inovação. Em uma paráfrase, se poderia dizer:
Todos queremos adultos inovadores, rápidos no raciocínio, bem humorados, criativos. Todos queremos adultos questionadores, cidadãos, agentes de mudança, cheios de iniciativa e vontade. Todos queremos adultos com olhos brilhantes de fascínio pelo mundo e a vida, com conversas interessantes e valores pessoais dignos e admiráveis. Mas não queremos conversar sobre a educação da infância. E é na educação da infância que se encontra o local de nascimento de todas essas características.
Nenhuma dessas características nascerá de provas bimestrais, mensais, semanais ou de um vestibular bem respondido. Elas nascerão de uma infância livre em um ambiente cuidadosamente pensado para a criança, com um adulto cuja maior preocupação é garantir todas as condições (inclusive em seu próprio comportamento) para o desenvolvimento perfeito da criança com quem trabalha. Essas características vão nascer de muitos anos de esforço intenso da criança para formar a si mesma.
Em nosso próximo texto, abordaremos as formas por meio das quais Montessori é um método que permite a educação sem provas, e vamos sugerir algumas reflexões mesmo para aqueles que não podem, por questões estruturais, abrir mão das provas imediatamente na escola tradicional. Até lá!