Montessori escreveu: Uma das dificuldades que encontramos em ensinar nosso método aos que foram formados em outros sistemas é aquela de impedi-los de interferir na atividade de uma criança que está preocupada com um erro que cometeu e faz tentativas repetidas de corrigir-se. [...] De fato, enquanto a criança está instruindo a si mesma e o material que ela usa contém seu próprio controle de erro, o professor não tem nada a fazer a não ser observar. (The Discovery of the Child – The Technique of the Lessons) O material montessoriano tem algumas características que ajudam no processo da autoeducação. Em primeiro lugar, são objetos feitos para serem manipulados pelas crianças. As dimensões, o peso, a forma e as cores dos materiais foram escolhidos para chamar a atenção dos pequenos para aspectos específicos que os levam a aprender sozinhos pela manipulação dos objetos. Em segundo lugar, os materiais trabalham uma só característica ou dificuldade de cada vez – o peso, a cor, a dimensão, ou qualquer outro aspecto importante, é trabalhando isoladamente do resto, e embora um mesmo material ajude a criança a aprender muitas coisas, é só uma coisa absolutamente nova que ela aprende com cada item, de forma mais próxima do consciente. Finalmente, em terceiro lugar os materiais contêm o controle do erro. Se quiser, você pode ler mais sobre isso aqui. O controle do erro é uma característica do material ou da interação entre o material e a criança que permite a ela prescindir da constante correção e dos constantes apontamentos do professor e trabalhar, por si mesma, sobre as dificuldades que encontra. É neste contínuo trabalho de correção dos próprios erros e repetição dos próprios acertos que a criança aprende sem que o professor ensine tudo, detalhe por detalhe. É bem verdade, o professor apresenta o material. Mas depois, exclui-se da cena, retira-se, permite que a criança encontre a si mesma na atividade que desenvolve. Enfrentar a própria frustração é um importante exercício para a formação da personalidade, enquanto que enfrentar a frustração imposta por um ser maior e mais competente que resolve tudo o que a criança não sabe fazer é um exercício que não leva a mais do que o crescimento da vergonha como componente formador da personalidade infantil. Em uma de suas obras, Montessori diz que quando o adulto faz pela criança, tudo o que ela aprende é que o adulto sabe fazer. Ela não aprende, efetivamente, a fazer. Marion Wallis, do Centro de Educação Montessori de São Paulo, diz algo que Montessori formula de diversas maneiras em sua obra: ensine ensinando, não corrigindo. Quando uma criança tem uma dificuldade e precisa aprender alguma coisa nova, cabe-nos ensinar. Encontrar o material certo, a atividade certa, a apresentação certa, o ângulo certo da apresentação que enfoque a dificuldade encontrada pela criança, e em silêncio ensinar – ou falando baixo e educadamente, caso se trate de uma lição de graça e cortesia envolvendo interação entre pessoas. Mas nunca nos cabe corrigir o erro no trabalho da criança. Para Montessori (Mente Absorvente – O Erro e Sua Correção) há dois tipos de erro. Um é o erro do trabalho. A criança faz pares de cores errados, escreve errado, faz contas erradas, despeja a água e deixa gotas caírem para fora da jarra, caminha na linha, mas erra os pés, esbarra nas mesas da sala, faz barulho ao empurrar a cadeira. Outro erro é de atitude. A criança empurra o colega, joga um cubo cor-de-rosa, grita em sala, propositadamente derruba sua comida, sobe em uma estante de materiais. No primeiro caso, nos erros de trabalho, nós observamos até o limite. Até o momento em que a criança desiste e guarda o material ou desiste e permite que sua frustação transborde. Se ela guarda o material, não fazemos nada. Se ela chora, grita ou espalha o material no chão, então nos aproximamos (com um pouco de observação, é possível antecipar esse momento em alguns instantes e prevenir o mal feito ou a crise maior) e ajudamos a criança a se controlar novamente, e a guardar o material, guiando-a para outra atividade, mais fácil e que saibamos ser de seu gosto. No segundo caso, interferimos sempre. Não deve haver nenhuma tolerância para ações que sejam danosas para a própria criança, outros seres vivos ou o ambiente. Nesses casos, Montessori diz que devemos sufocar e destruir o erro. Isso, entretanto, é feito com o máximo de carinho e cuidado, embora com seriedade. Nunca, em nenhuma hipótese, cabe-nos a agressão contra a criança, ainda que só em um olhar. Interrompemos, sim, chamando, encostando se muito, segurando, se a extrema necessidade exigir, com cuidado e respeito. E então, tendo interrompido a má ação, resolvemos o necessário (varrer algo quebrado ou derramado, consolando um colega, tratando de um conflito), convidamos a criança para uma atividade em companhia do professor, ou para algo que, de novo, saibamos ser fácil para ela e agradável, para que encontre de novo seu próprio equilíbrio, relembre as necessidades coletivas da sala e possa retornar, sozinha, a um estado emocional que permita a interação saudável com os colegas e o ambiente. Montessori continua: As professoras da Casa das Crianças devem compreender duas coisas: que dirigir é responsabilidade da professora, e que o exercício individual é responsabilidade da criança. Somente depois de ter fixado isso claramente em suas mentes elas podem proceder racionalmente à aplicação de um método que guia a educação espontânea da criança e transmite conceitos essenciais. Este é um texto de presente para a turma que começa sua formação em julho de 2016 pelo Centro de Educação Montessori de São Paulo, com votos de que essa seja uma das principais transformações de suas vidas. Um grande abraço!
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AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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