Segunda-feira, 8/07, começa a Fase I do curso de formação em Montessori do Centro de Educação Montessori de São Paulo.
Se você vai estar conosco segunda-feira, ficam duas dicas: 1. Termine de ler A Criança antes de começar o curso. Dificilmente você conseguirá terminar durante. Nós ficamos dez horas por dia imersos em atividades (tem o horário de almoço, mas coloque cinco professores montessorianos em uma mesa e veja se não é também horário de atividade), e ler vai ficando difícil. Aperte a leitura no seu final de semana, que compensa. 2. Descanse bem. Eu sei que essa dica e a anterior, se levadas em consideração ao mesmo tempo, podem parecer opostas uma à outra. Mas faça o possível. O curso é uma delícia e vale a pena estar bem descansado para aproveitar ao máximo. Agora, entre alunos: a Paige e a Marion são extremamente pontuais. Faça o possível para chegar na hora. Elas se esforçam por deixar tudo pronto para as oito da manhã, e merecem que nós nos esforcemos para estar lá nesse horário. As aulas, palestras e atividades começam mesmo às oito, então é às oito que nos encontramos segunda! Cadernos e canetas são material essencial. Mas você pode querer levar máquina fotográfica. Como há, durante o curso, demonstrações do uso de materiais, e depois nós temos de fazer os álbuns, é bom tirar fotos ao menos para lembrança posterior e referência. Algumas pessoas levam filmadoras, mas ocorre que com a filmadora a tendência é que olhemos para a telinha e não para o mundo real. Com a máquina fotográfica isso acontece pelo menos um pouco menos. De resto, as pessoas são legais, o espaço é agradabilíssimo, a comida é boa, e é com alegria que vai ter início o segundo curso do CEM-SP, tenho certeza. Sintam-se, desde já, muitíssimo bem vindos, e até segunda!
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Ser um professor montessoriano, ser um auxiliar da vida, é imensa responsabilidade. Da paciência, da observação e da prudência de professores montessorianos mundo afora, saiu um dos maiores escritores do mundo, Gabriel García Márquez, saiu o nosso maior violinista, Joshua Bell, dois ativistas incríveis, Svern-Suzuki e Craig Kielburger, saiu uma das crianças mais resistentes e incríveis que o mundo já conheceu, Anne Frank. Montessori ajudou a belezas inigualáveis no mundo a desabrochar, e é pelas mãos dos professores montessorianos que isso é possível - mais do que pelos materiais, mais do que por todo o resto - é pelas mãos daqueles que compreendem a criança que este desabrochar é possível todos os dias no mundo inteiro. O vídeo que segue nos mostra algumas das grandes personalidades que vieram de Montessori, e explica porque só nosso método é capaz de ajudar tanto o desenvolvimento natural da criança: E o próximo conta um pouco sobre os fundadores do Google. E sim, eles foram alunos montessorianos. Eles, os fundadores da Amazon e os da Wikipedia. A internet não foi feita por um montessoriano, mas quase tudo que usamos nela foi. No Lar Montessori há alguns depoimentos de pessoas incríveis que foram educadas por Montessori ou apoiam o método. Também vale a pena dar uma olhara, e está tudo em português. Os depoimentos dos fundadores do Google estão traduzidos lá:
www.LarMontessori.com/Depoimentos Divulgue o que você sabe sobre Montessori e faça mais gente descobrir como é incrível esta novidade de mais de um século. "Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam". (Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia) Montessori foi médica, antropóloga, técnica em matemática e educadora. Entretanto, nada disso fez com sossego. Como médica, foi a primeira médica de sua pátria, como antropóloga buscava os universais humanos para compreender a natureza fundamental do homem, como técnica em matemática enfrentou um ensino médio em que era a única garota, e como educadora revolucionou para sempre o que chamamos de educação. Em tempos, às vezes longos, e às vezes graves, de crises sociais e educacionais, é para pessoas como Montessori que precisamos olhar, com o objetivo de (re)formularmos nossa prática e nosso modo de ser no mundo e na escola, de maneira a contribuir para que os obstáculos, sabiamente expressos por Paulo Freire, não se eternizem. Desde 2010, quando comecei a frequentar aulas na Faculdade de Educação, escuto, leio e discuto Paulo Freire, e a cada semestre é mais nítido para mim que seguindo na direção que Freire apontava para a solução dos problemas da educação encontraríamos, senão no fim do caminho, já bem avançada nele, Montessori. Era e é notável para mim que, vindo antes de Freire e originando-se em países do mundo desenvolvido, Montessori tenha percebido e delineado claramente a solução universal para os problemas da educação - e ainda mais notável é que ela concorde com o maior pilar da educação no Brasil. De forma que talvez nos caiba com tranquilidade e esforço, compreender algumas das interfaces entre Freire e Montessori. Esta análise parte das ideias de Montessori e do livro "Pedagogia da Autonomia", de Freire, que é pequeno e pode ser encontrado facilmente em livrarias. É claro que somente algumas ideias dos dois gigantes da pedagogia serão utilizadas aqui, e é também claro que ao final do texto haja mais questões que respostas. O livro "Pedagogia da Autonomia" trata muito mais da preparação do professor do que do ato de ensinar em si. Não é um manual ou uma receita, e assim, será utilizado na comparação especialmente com as ideias filosóficas de Montessori e sua visão sobre o papel do professor. 1. Não há docência sem discência Para Montessori, não é o professor que ensina o aluno, mas a criança que, quando muito bem observada, permite-nos descobrir a psicologia da infância. É ela que nos revela o que é o ser humano, e nós, numa tentativa arrogante, buscamos lhe ensinar. Paulo Freire, por sua vez, nos diz: "Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender". Com a fala de Freire, temos mais um ponto de apoio na transformação de nós mesmos no professor idealizado por Montessori: não somos só professores, mas também aprendentes, e não nos cabe nenhuma superioridade. Sabemos, por Montessori, que o objetivo dos materiais não é o aprendizado objetivo, mas a organização e o desenvolvimento da mente. Assim, aquilo que é realmente importante a criança faz sozinha. Nós podemos lhe dizer os nomes das cores, mas quem se educa para distingui-las e enxergá-las, quem desenvolve a visão e a distinção, é a criança, sozinha. E o fazendo, nos ensina as imensas potencialidades do humano, aprendendo, em troca, o vermelho, o azul e a tranquilidade de poder desenvolver seu trabalho em paz. Sabemos também que a criança, quando chega na Casa das Crianças, aos seus três anos de idade, já vem "pronta". Ela já fala, anda, pega, consegue conversar, cantar e correr. Tudo isso, muitas das vezes, ela aprendeu sozinha. Por isso, diz Freire novamente, "Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência fundante de aprender". Aqui, novamente, vemos uma bela descrição do processo que se dá em uma sala montessoriana: a criança aprende. Não é o adulto quem ensina, e nem é a ele que cabe a maior parte da responsabilidade - o nosso papel, e este é imenso, fundamental e importantíssimo, é o de possibilitar o aprendizado e o desenvolvimento autônomo da criança. É o de formar um ambiente e nos portarmos de forma tal que a criança desenvolva-se independente de nós, partindo da experiência fundante de aprender. 2. Ensinar não é transferir conhecimento Isto nós sabemos bem. A criança não surge vazia, não é uma valise onde se depositam os conhecimentos da humanidade. É um pequeno ser, ávido por descobrir, explorar e construir-se, capaz de fazer relações e reformar o mundo, se preciso for. Muito mais ativo do que se supõe, inconscientemente, pela palavra "aluno", que em sua origem queria dizer "aquele que é alimentado". "Saber", diz Freire, "que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção" - e cá estamos novamente diante do ambiente preparado descrito por Montessori. Aproveito para tecer esta citação com mais duas: "Pensar certo - e saber que ensinar não é transferir conhecimento é fundamentalmente pensar certo - é uma postura exigente, difícil, às vezes penosa, que temos de assumir diante dos outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos", e "Sem rigorosidade metódica não há pensar certo". Diante destas três citações preciosas, penso que é um pouco de sorte que tenhamos, de alguma forma, tomado contato com Montessori, com uma pedagogia que nos diz incansavelmente: "a preparação para a educação é um estudo de si mesmo. O treinamento do professor que deve ajudar a vida é muito mais que o aprendizado de ideias. Inclui o treinamento do caráter, é uma preparação do espírito". Assim mesmo, porém, se Freire e Montessori só concordassem em seus ideais, poderíamos colocar no mesmo balaio de gatos uma infinidade de outros pedagogos que em seus discursos apoiam a reflexão crítica e a análise da própria prática. O que diferencia nossos dois maiores nomes é o fato de ambos considerarem sumamente importante a "rigorosidade metódica". Por isso especialmente devemos ser gratos e permanecer atentos a Montessori - ela, e aparentemente ela somente, nos provê método e a possibilidade da rigorosidade metódica em nossa prática e em nosso desenvolvimento. 3. Ensinar é uma especificidade humana Talvez o ponto mais interessante desta parte do livro de Freire seja seu comentário acerca da autoridade e da autonomia. Vejamo-lo todo: "Um esforço sempre presente à prática da autoridade coerentemente democrática é o que a torna quase escrava de um sonho fundamental: o de persuadir ou convencer a liberdade de que vá construindo consigo mesma, em si mesma, com materiais que, embora vindo de fora de si, reelaborados por ela, a sua autonomia. É com ela, a autonomia, penosamente construindo-se, que a liberdade [vai] preenchendo o "espaço" antes "habitado" por sua dependência. Sua autonomia que se funda na responsabilidade vai sendo assumida". "Ensina-me a fazer isto sozinho", diz a criança para o adulto na sala montessoriana, na busca incessante por sua autonomia e fazendo com que o professor se regozige diante da visão do trabalho no ambiente que preparou. Este professor, sendo um pedagogo científico e um pedagogo da autonomia, finalmente sussurra feliz e realizado, para si mesmo: "Estão trabalhando como se eu não existisse". O processo de autonomia se realiza dia a dia na sala montessoriana, e nós somos agentes e testemunhas deste desenvolvimento. 4. Reflexões Esta última parte do texto não se refere a uma parte do livro de Freire, mas nela buscamos uma reflexão crítica sobre o papel do professor montessoriano no contexto social mais amplo. Slavoj Žižek, excelente filósofo contemporâneo, em uma de suas palestras nos diz que diante de ideias eternas nós nunca devemos perguntar se "são ainda atuais", mas devemos sim questionar "como a atualidade pode ser interpretada à luz destas ideias". No livro "Pedagogia(s) da Infância", Felipe e Joaquim Araújo nos explicam que "Montessori é eterna, como eterno é o segredo da criança, que o adulto guarda dentro de si". Se é assim, se Montessori é eterna e se a realidade deve ser interpretada à luz do que é eterno, então, finalmente, podemos olhar nosso século que aos poucos desabrocha e pensar, com carinho, como devemos nos enxergar neste contexto que se abre amplo e imenso de possibilidades diante de nós. Podemos perceber a realidade de uma das mais belas frases de Montessori: "esta é a última revolução". Se conseguirmos empilhar todas as pedras anunciadas por Montessori nos capítulos iniciais do livro "Mente Absorvente " e em "Formação do Homem", se nós compreendermos e aplicarmos com eficiência o que ela explica em seu "Pedagogia Científica" e no "Spontaneous Activity in Education", se soubermos contar histórias como ela pede em seu "Para Educar o Potencial Humano", finalmente, se sonharmos como ela sonha em "A Educação e a Paz", poderemos reconstruir o mundo. O papel social do professor montessoriano é seu papel científico levado a público: compreender a criança o máximo possível, e depois contar aos pais, aos familiares, a todos os que se envolvem com a infância nos mais variados momentos, contar a eles como a criança é, o que a criança é e quanto de sua atenção e admiração a criança merece. Finalmente, nosso papel é auxiliar a vida da criança, conduzindo-a em sua busca por liberdade e autonomia, conscientizando os adultos que a rodeiam, e transformando todos os ambientes em ambientes preparados, para que assim possamos ter certeza de que estamos realizando nosso propósito maior, lembrando do que nos disse nossa precursora: "Estabelecer a Paz é papel da educação. Tudo o que os políticos podem fazer é evitar a guerra". Luciana, nossa colega no curso de formação Montessori do CEMSP, deixou um comentário neste artigo que precisa ser adicionado ao final deste texto. Reproduzo-o aqui, para que ninguém termine este texto sem ler também uma das melhores definições do papel do professor montessoriano que se pode encontrar por aí:
Oi Gabriel! Gostei de suas reflexões, que me incitaram a escrever algumas réplicas: "aquilo que é realmente importante a criança faz sozinha", pensei sobre isso e queria complementar um pouco essa ideia,acredito que ela faça sozinha, mas como resultado da ação relacional. Quem completa o caminho é ela, naquela solidão humana que tanto nos assusta. "É o de formar um ambiente e nos portarmos de forma tal que a criança desenvolva-se independente de nós, partindo da experiência fundante de aprender". Sim, mas em relação a nós. Este professor, sendo um pedagogo científico e um pedagogo da autonomia, finalmente sussurra feliz e realizado, para si mesmo: "Estão trabalhando como se eu não existisse". Eu gosto de pensar que o professor está em latência, naquela seleção e organização do material. É ali que ele existe. Como um livro fechado, a sala montessoriana se disponibiliza para que as crianças a adentrem e nela descubram um universo, seu universo particular, na medida em que vão lendo as estantes, escolhendo as atividades que mais lhe aprazem, ou de que mais necessitam. Como num livro de poesia, o conteúdo se apresenta em potencial, ele espera o movimento do outro. Como num livro, o poeta já se satisfez ao imprimir no papel sua visão sobre o mundo e a organizou ali, no preto das palavras sobre a página branca. Da mesma maneira, o professor montessoriano já se satisfez, ao dispor os materiais especificamente para aquelas crianças. Enquanto arrumava a sala, o professor era o poeta, que pensa, gosta da ideia, desiste, a rearranja, a mantém ali em estado de espera, até que uma criança ouça o chamado daquelas palavras, daquelas intenções, daqueles sentimentos que habitaram a cabeça do professor e que agora podem ser colhidos, no momento em que a criança quiser ou puder lidar com este ou aquele poema. Beijo, obrigada por provocar meu pensamento! Marion Wallis EdD, Diretora do CEMSP O Currículo de Vida Prática trabalha exatamente com isso: os assuntos práticos da vida.
Esses pontos práticos são cuidadosamente planejados – assim como em todas as áreas do currículo montessoriano – incluindo o isolamento de conceitos e passos sequenciais e crescentes que levam a criança a experienciar todo o processo com sucesso. Quando escolhe repetir uma atividade, familiariza-se com os procedimentos e ganha destreza e compreensão da sequência que a leva a crescer como ser humano completo. Os assuntos da vida prática incluem movimentação cuidadosa e graciosa no espaço onde a criança se encontra, cuidar de si mesma e de seu ambiente e se comportar de forma gentil e educada com outras crianças e com adultos. Toda a educação é uma preparação para a vida. Quando pensamos nestes aspectos da vida e o que significam para a criança em constante crescimento e desenvolvimento, precisamos nos lembrar de que nosso papel é auxiliar a vida, ajudar a vida. Estamos aqui para apoiar, e não para criar obstáculos para a criança. Precisamos reinar em nossa percepção de importância e tomar muito cuidado para não diminuir, não retirar nada da essência profunda de quem a criança é. Recentemente, mostrei um vídeo de uma sala montessoriana para um grupo de professores de Educação Infantil. Como é comum às crianças em ambientes Montessori, elas estavam desenvolvendo atividade significativas, individualmente, com graça e confiança. Ao final do vídeo, uma das professoras comentou: “Acho que temos pena da criança”. Eu perguntei: “O que você quer dizer com “temos pena da criança”?” A professora respondeu: “Bom, aqui no Brasil, nós achamos que a criança não consegue, ou não deve, fazer as coisas por si mesmas. Nós, os adultos, temos de ajudá-la”. Eu respondi: “Ah, você quer dizer, como se ela fosse incapaz?” Diferente de outros animais, os filhos humanos são extremamente dependentes dos cuidados e da proteção dos pais. Este cuidado e esta proteção continuarão por muitos anos, até que a criança se torne um jovem independente. Os pais desenvolvem amor por sua prole e protegem muito suas crianças menores. Mas a natureza também proveu a criança com ferramentas para seu aprendizado e crescimento, e para compreender o mundo à sua volta. Nos primeiros anos, especialmente do nascimento aos seis anos de idade, a criança experienciará períodos sensíveis para seu crescimento em áreas específicas, como laços significativos com adultos, utilização das mãos, movimento, caminhar e uma percepção de ordem [2]. Durante estes períodos sensíveis, a aquisição não exige esforço, conforme a criança pratica e repete habilidades e atividades didáticas. O papel do adulto é prover as oportunidades e apoiar o aprendizado. Pelo currículo de Vida Prática, a criança é encorajada a descobrir, explorar, a experienciar o processo completo de uma atividade de uma forma organizada e significativa. Ela é encorajada a ser responsável e independente de acordo com seu nível de desenvolvimento. Por esta razão, o adulto no ambiente montessoriano nunca fará para a criança nada que ela seja capaz de fazer por si mesma. É importante para nós lembrarmos que a criança pequena desenvolve-se pelo movimento e pelo trabalho. O corpo é empregado à serviço da mente. “A mão toca as evidências e a mente descobre o segredo”[3] A mão é de fato o instrumento do intelecto. O Propósito dos Exercícios de Vida Prática O propósito dos exercícios de Vida Prática e desenvolver o corpo e o intelecto. O currículo de Vida Prática provê formas de desenvolvimento de autonomia e independência. Permite à criança o exercício de suas competências e suas relações interpessoais. Conforme segue uma série de passos em sequência, ela também desenvolve sua mente matemática.[2] Pelos exercícios do currículo de Vida Prática, a criança usa movimentos cuidadosos e graciosos para despejar, pegar com a colher, cortar, lavar, esfregar, e servir lanches para si e seus amigos. Ela aprende a abotoar, pressionar, enganchar e amarrar suas roupas e sapatos, a limpar seu nariz, escovar os dentes e pentear os cabelos. Também é capaz de enxugar o chão depois de derrubar um líquido, devolver uma atividade ao local a que pertence, polir, lavar e esfregar em seu ambiente. Está aprendendo como cumprimentar um visitante e como se comportar com gentileza e com empatia em uma comunidade. Todas estas oportunidades dizem à criança: “Você é competente”, “Você é importante para sua comunidade”, “Você é um ser humano de valor”. Espero que estes exemplos tenham clareado a ideia de que a criança recebe a oportunidade de desenvolver um senso de responsabilidade quando escolhe suas atividades e segue por passos sequenciais do começo ao fim. Ela está satisfazendo sua necessidade de ordem, e este período de ordem facilita este aprendizado. Ela está desenvolvendo sua autoestima: “Posso fazer isso sozinho”. Esta autoestima é geralmente expressa nas palavras de maravilhamento da criança diante de suas conquistas: “Eu fiz isso!”. Conforme ela trabalha, ganha um senso de “propósito inteligente”[2], as atividades fazem sentido, e ela adquire uma apreciação profunda pelo trabalho. Isso ajuda a criança fisicamente, psicologicamente e moralmente na vida.[4] Ajuda a criança a se concentrar e traz paz.[5] Os Resultados na Criança Antes de falarmos sobre os resultados que vemos nas crianças, vamos dar uma olhada em dez das habilidades mais importantes procuradas pelo mercado de trabalho. A lista é [6]:
No entanto, não somente habilidades de trabalho, mas os dez valores pessoais que se procuram em candidatos a vagas de trabalho são listadas da seguinte maneira:
Sabemos que escolas, como estabelecimentos, não necessariamente preparam as crianças para o mercado de trabalho. E não necessariamente sabemos como será o mercado do futuro. No entanto, as escolas precisam preparar as crianças com o conhecimento, as habilidades práticas e de pensamento crítico, assim como valores, ética e moral para que sejam bons em ajudar a humanidade. Pelas atividades de vida real, a criança aprende a superar obstáculos. Sua fascinação com atividades de vida real relevantes levam à concentração. Conforme cresce em responsabilidade, ela demonstrará precisão de sua coordenação motora fina, coordenação de seus movimentos corporais, autoconfiança e autodisciplina. Os exercícios de vida prática conduzem a criança no caminho da normalização.[4] Considerações finais Devemos sentir pena das crianças pequenas? Devemos sentir que precisamos fazer tudo por elas? Devemos, assim, fazê-las sentirem-se dependentes, impotentes e incompetentes? Pense em um jovem adulto que tenha perdido um membro, a visão ou a audição por um acidente da natureza ou por um desastre. Ouvimos histórias de piedade? Ou ouvimos histórias de vitória sobre a adversidade? [7],[8],[9] Histórias de vitórias exibem fé, reconquistas, mudanças ou experiências de novos aprendizados. Estas pessoas de coragem lutam por “normalização”. Por um retorno ao estado normal [1]. O estado normal humano, de independência, valor, dignidade e contribuição para a sociedade. Precisamos confiar na criança. Referências 1. Veja o post “Sinalização e Mapa”, parte III da série sobre Normalização 2. Veja o post “Histórias de Equilíbrio”, parte II da série sobre Normalização 3. Montessori, Maria (201,). Psychogeometry. Netherlands: Montessori-Pierson Publishing Company. Page 58. 4. Rosemary Quaranta, Personal Communication, CEMSP Training Program at Graded School, São Paulo, 20.01.2012 5. Também conhecido por “Flow”. Csikszentmihalyi, Mihaly (1998). Finding Flow: The Psychology of Engagement With Everyday Life. Basic Books. 6. http://www.quintcareers.com/job_skills_values.html 7. Nick Vujicic: http://www.youtube.com/watch?NR=1&v=dGbZcTD6h24&feature=fvwp 8. Oprah Winfrey: http://www.youtube.com/watch?v=ZPW3EB5U0bo 9. When You are Hopeless: http://www.youtube.com/watch?v=qQxiEFET8X0 10. Veja o post “Conceito e Significado”, parte I da série sobre Normalização Todas as semanas, por duas ou três vezes, preciso explicar "o que é Montessori". Eu adoro, mas um inconveniente sempre aparece: a explicação precisa ser dada via Facebook, em poucas linhas, ou a pessoa que pergunta, embora bem intencionada, não está disposta a conversar sobre o tema por mais de uma hora. E eu inevitavelmente preciso deixar a explicação sucinta, ocupando cerca de três minutos, ou umas dez linhas. É difícil, e eu tenho consciência de que isso não acontece só comigo, mas com todos nós, professores montessorianos, que temos orgulho do que fazemos e gostamos de contar para os outros que existe um futuro para a educação, e nós sabemos qual é. Assim, aos poucos fui buscando formas de introduzir o assunto de maneira rápida, sucinta e o mais abrangente possível. Uma das maneiras é falar sobre o desenvolvimento natural da criança, outra é partir da necessidade de independência. Uma terceira é começar pelos grandes nomes derivados de Montessori, as grandes personalidades, e outra ainda é trazer citações dos apoiadores mais famosos do método. Entretanto, de todas as abordagens que tentei, a mais efetiva sempre é o vídeo. Um vídeo de uma sala montessoriana, com depoimentos de adultos envolvidos com a pedagogia e, às vezes, frases de Montessori. Assim, este artigo traz alguns vídeos disponíveis online de forma fácil e gratuita, para você enviar para seus amigos e familiares, para você mostrar aos pais que visitarem sua escola e mesmo para espalhar em suas redes sociais. Pouco do que se encontra online sobre Montessori está em português, então os vídeos estão em inglês, e alguns não trazem fala alguma. Use os que forem melhores para você! Hoje, o termo "normalização" é muito polêmico. É possível que "equilíbrio natural da criança" seja uma expressão mais adequada para o que desejamos dizer. Em qualquer um dos casos, no entanto, precisamos ter claros quem são os principais agentes deste processo e quem é só um facilitador.
As crianças normalizam-se, nós não as normalizamos. Quando se compreende isto, o termo perde um pouco de seu peso esteriotípico e se torna uma ação nobre desenvolvida pela criança. É ela quem, sozinha e de forma autônoma, recupera seu equilíbrio interior e natural. Para fazer isto sozinha, no entanto, a criança precisa de nossa ajuda, especialmente no sentido de ser capaz de conquistar sua independência. Precisa de instruções sobre como fazer coisas, precisa de um ambiente adequado e precisa de adultos que a amem e respeitem. O adulto é o facilitador da normalização. Ele não faz com que ela aconteça, e ele não é o responsável por ela acontecer. Mas ele cria as circunstâncias que permitem seu surgimento. Por um instante, pensemos na Universidade de Cambridge e em Isaac Newton. Pensemos em toda a estrutura da universidade e no infinito conhecimento que habitava seus muros quando, em 1687, Newton publica sua obra principal, "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural", na qual introduz a Lei da Gravitação Universal. Evidentemente havia, dentro da Universidade, professores ímpares, uma bíblioteca bastante ampla e todo tipo de maquinário necessário a qualquer experimento da física. E ainda assim, mesmo com todo o equipamento e todo o conhecimento, sem Isaac Newton, Cambridge não teria descoberto a Lei da Gravitação Universal e também teriam permanecido desconhecidas diversas outras leis desvendadas por Newton. Cambridge não é a responsável pelas descobertas, Newton é. Entretanto, foi só em Cambridge, com a estrutura física e psicológica da Universidade, que Newton foi capaz de levar suas descobertas a cabo. O mesmo ocorre na sala montessoriana. Não se ensina normalização. Newton não descobriu a gravidade porque alguém lhe contou que ela existia, mas porque teve vontade e força de vontade para investigar até descobrir. No entanto, o ambiente o ajudou, como ajuda a criança, e as pessoas lá presentes eram as mais adequadas para acompanhá-lo em sua empreitada imensa. Temos de guardar em mente, porém, que todo o trabalho de Newton ainda é menor, e de menor importância, do que o trabalho interior desenvolvido por uma criança que atinge seu equilíbrio natural e desenvolve-se plenamente. A criança precisa aprender, do zero, tudo. Newton precisou partir de algo para algo maior. Mas teve uma base sólida. Com a criança, mesmo esta base precisa ser criada a partir de três princípios: suas tendências inatas, o ambiente preparado e o professor. Por ser a criança a grande responsável pela criação da humanidade e pela evolução da civilização, tudo aquilo de que ela precisar lhe deve ser provido, como se faz com um estudioso altamente especializado. E ainda, por sabermos que depende da reaquisição do equilíbrio natural da criança a imensa revolução de que nossa humanidade necessita, devemos ser incansáveis no aperfeiçoamento de nossas práticas e na preparação do ambiente, para que aquela que deve realizar o trabalho mais difícil possa fazê-lo com liberdade, alegria e paz. Com esta mensagem, terminamos nossa sequência de quatro artigos acerca do processo de normalização da criança, e nos colocamos à disposição para todas as eventuais dúvidas. Continue seguindo nossos textos, pois ainda neste final de semana mais um será publicado. O tema é surpresa! Montessori considerava o processo de normalização o objetivo maior de todo o processo desenvolvido em suas escolas. A tal ponto que chegava a chamar as instituições que seguiam seu método de "escolas normalizadoras", de forma que é bastante razoável que nos perguntemos, sendo este o principal objetivo do método, o que nós, como professores, podemos fazer para atingí-lo. E a resposta nos vem em três partes: o adulto, o ambiente e a criança. É em três partes então que abordaremos o tema. O faremos de forma extremamente sucinta, porque a resposta real e completa para "como auxiliar a criança a atingir a normalização?" seria "utilizando o método Montessori". E como bom sabemos, todo o método não caberia em um só artigo de blog, por mais bem intencionados que sejamos.
O Adulto De todas as coisas sobre as quais temos poder no entorno da criança, talvez nós mesmos sejamos ao mesmo tempo o ítem sobre o qual tenhamos mais influência e também aquele cuja modificação nos tome mais tempo e esforço. É mais fácil modificar toda uma sala e transformá-la no ambiente físico ideal, com os melhores materiais e a mobília perfeita, do que transformar um só adulto no professor ideal para as crianças - e no entanto este adulto está dentro de nós mesmos, e finceiramente não nos custaria tanto quanto uma só estante de materiais da sala. Se o método de Montessori é, como ela disse ser, um de "observação, prudência e paciência", então devemos nos basear nestes pilares para moldar nossas ações, tendo em vista que nosso objetivo conosco é o já anunciado por nossa professora maior: "A preparação que nosso método exige do professor é o auto-exame, a renúncia à tirania. Deve expelir do coração a ira e o orgulho, deve saber humilhar-se e revestir-se de caridade". O auto-exame, a renúncia à tirania, o expelir ira e orgulho e o humilhar-se e revestir-se de caridade não são palavras vazias, nem palavras santas e inatingíveis por meros professores. São os capítulos de um manual de instruções, como é tudo em Montessori. Devemos permanecer atentos à criança, e para isso precisamos abrir mão do ponto de vista do observador e adotar o mais possível a perspectiva da observada. É necessário que percebamos a imensa função da criança na sociedade, que notemos suas principais dificuldades e que concluamos então que a melhor maneira de ajudar é por meio da adaptação de nós mesmos e do ambiente. Que não podemos influenciar a criança diretamente, mas que devemos auxiliá-la indiretamente em sua caminhada. Isto feito, teremos chegado ao professor planejado por Montessori. O Ambiente e o Material De todas as características delineadas por Maria Montessori para seu método, o ambiente talvez seja a mais óbvia. Quando chegamos a uma sala montessoriana, isto é evidente por itens de mobília e de material didático. No início, no entanto, "não havia método para ver, havia a criança", e foi ela que indicou o caminho a tomar. Assim, nossa atenção não deve se voltar totalmente para o ambiente ideal, mas para o ambiente que se mostra ideal para e com as crianças que temos na escola. Alguns princípios gerais do ambiente montessoriano, no entanto, costumam se manter: a mobília é sempre adaptada aos pequenos, sempre baixinha, leve e fácil de mover. A sala é decorada com discrição e um certo grau de minimalismo, com poucos elementos a disputar a atenção das crianças. Os materiais, assim como as plantas e outros objetos, são extremamente bem organizados, e devem ser mantidos assim ao longo do ano escolar, pelo professor e pelas crianças. E finalmente, é tudo muito limpo e bem iluminado, com janelas amplas para entrada de ar e de luz. Os materiais por sua vez, seguem três princípios maiores: primeiro, servem à manipulação do aluno, o que quer dizer que é a criança que os utiliza para trabalhar, e não o adulto. Por isso, nós os apresentamos e saímos de perto, permitindo inclusive que a atividade ocorra com erros, e prevenindo somente a má utilização, ou a utilização nociva do material. Em segundo lugar, eles são materiais simples, com o que chamamos de isolamento da dificuldade. Se temos como objetivo com um material determinado, auxiliar no desenvolvimento da visão por meio da apresentação das cores, então iremos apresentar um material que trabalha somente cores, e não tamanhos, pesos ou texturas. Uma dificuldade de cada vez. Por fim, os materiais devem conter em si o controle do erro, de forma que eles mesmos corrijam a criança e ela não consiga terminar a atividade se errar em algum ponto. O adulto não pode controlar este erro, e por isso há tão pouca correção em salas montessorianas - esta é uma relação que se estabelece entre o material e a criança. A Criança A criança é o único elemento do ambiente montessoriano sobre o qual não temos nenhum controle. A única maneira de controlá-la é por meio da tirania, e a esta nós não podemos recorrer. Assim, é necessário que busquemos, não controlar a criança, mas auxiliá-la a controlar-se. Nosso papel é ajudar a vida a se desenvolver da melhor forma possível. Se prepararmos bem o ambiente e o professor, isto acontecerá, aos poucos, com todas as crianças. Precisaremos intervir em conflitos e prevenir comportamentos cujas consequências possam ser desastrosas para a criança e seus colegas, no entanto, o desenvolvimento em si se dará de forma espontânea, e começará quando a criança se encantar pela primeira vez com o uso de um material. A criança que está em vias de readquirir seu equilíbrio natural apresenta algumas características e comportamentos em relação ao seu ambiente, aos colegas e ao professor. Estas são apresentadas no livro "A Criança" e citadas abaixo, como forma de finalização de nosso artigo sobre o mapa e a sinalização do processo de normalização. "Do que a criança gosta: - Repetição de exercícios - Livre escolha - Controle do erro - Análise do movimento - Exercícios de silêncio - Boas maneiras sociais - Ordem no ambiente - Cuidado com higiene pessoal - Treino dos sentidos - Escrita separada da leitura - Escrita antes da leitura - Ler sem livros - Disciplina em atividade livre. O que a criança rejeita: - Prêmios e castigos - Livros de exercícios para escrita - Lições em grupo o tempo todo - Programas e provas - Brinquedos e doces - Uma mesa do professor" Nesta lista podemos encontrar, em verdade, um manual resumido do próprio método de Montessori, e no entanto precisamos lembrar: isto teria de acontecer, já que o método foi estabelecido segundo aquilo que as crianças mostraram quando chegaram ao seu estado natural, que é um de equilíbrio. Necessariamente as características do método seriam aquelas apreciadas pela criança que já atingiu seu objetivo maior. "A primeira coisa a fazer, então, é descobrir a verdadeira natureza da criança e então auxiliá-la em seu desenvolvimento natural" (Montessori, A Criança, p.136). Há um semestre, mais ou menos, foi publicado no Lar Montessori um artigo descrevendo as principais características da criança normalizada. Essas características são as apontadas por E.M. Standing em seu "Maria Montessori: Her Life and Work". Como naquele artigo o tema foi analisado com bastante cuidado, aqui faremos algo diferente e bastante ilustrativo. Contaremos algumas histórias que ilustram o comportamento da criança que já readquiriu seu equilíbrio natural.
Não vamos contar uma historinha para cada item, porque seriam anedotas demais. Uniremos alguns grupos de itens representados por cada episódio e vamos relembrar narrativas de Maria Montessori e de várias outras fontes, inclusive um ou dois registros de observações que fiz em salas montessorianas. 1 - Amor à Ordem Trabalhando com a aplicação do método Montessori em casa, tenho a chance de testemunhar transformações que afetam a família inteira, além das crianças. Cada vez que uma família opta por reorganizar um quarto e torná-lo montessoriano, muita coisa acontece. As crianças se tornam mais independentes e autônomas, exatamente como esperamos, mas tornam-se também muito mais exigentes. Se antes da transformação do quarto já gostavam de tudo no seu devido lugar e se mostravam confusas quando havia mudanças na decoração, agora esta característica se intensifica imensamente. Contam-nos que quando o quarto é remobiliado para as crianças, e sua cama vai para o chão, junto com seus brinquedos, que ficam em estantes mais baixas e suas roupas, que são guardadas nas últimas gavetas, rentes ao solo, as crianças começam a compreender como tudo tem de ficar. Quando os adultos resolvem mudar tudo de lugar, pequenos escândalos acontecem, e algumas mães chegam a contar de noites de insônia, até que a mobília fosse toda recolocada onde “deveria” estar e os brinquedos fossem guardados em suas caixas e prateleiras. Embora estas transformações sejam em casas e não em escolas, o mesmo acontece no ambiente preparado em escolas montessorianas, onde as crianças aprendem, como em casa, onde tudo deve ficar e onde guardar cada um dos materiais que terminam de utilizar, auxiliando, inclusive, os colegas mais novos, que ainda não aprenderam todo o mapa da sala. 2. Independência e Iniciativa / Poder de Agir por Escolha Era uma vez uma sala montessoriana onde tudo funcionava. Nesta sala, havia duas garotinhas sobre as quais trata esta história. Uma delas tinha três anos, e estava executando uma atividade com a professora, e a outra tinha seis anos e estava trabalhando sozinha. A menor, com a professora, trabalhava matemática. A professora lhe falava um número, que estava em um pequeno papel. A pequena colocava sobre o tapete o número correspondente de pecinhas de plástico. Depois, as contava e, então, a professora lhe mostrava o cartão que tinha nas mãos. Todas as vezes a menina se surpreendia por ter “adivinhado” o número do cartão. Em uma das vezes, quando adivinhou o número seis (um número alto!) ficou tão admirada que caiu para trás. Bateu a cabeça no chão. Claro, a pequena chorou, era esperado. O que ninguém esperava era a reação da maior, que interrompeu seu trabalho, foi até a geladeira da sala de aula, subiu em uma escadinha e pegou, no congelador, um saco de gelo em gel, para a cabeça da amiga. Não bastasse, levou até a colega que chorava, colocou o gelo em sua nuca e começou a conversar com ela: “O que você estava fazendo quando caiu?”, “Machucou muito?”, “Já está melhorando?”. A professora, diante desta obra de arte da infância, dignou-se a admirar e, depois, colocou o gelo de volta no congelador, quando o susto e a dor passaram. Impossível esperar mais independência e iniciativa, mais poder de agir por escolha, do que os demonstrados por esta amiga tão hábil em ajudar, não é? 3. Amor ao Silêncio e ao Trabalho Solitário Esta talvez seja a anedota mais famosa de toda a obra de Maria Montessori: a menina com os cilindros de madeira. Conta Montessori que em seus primeiros tempos como educadora, uma menina sentou-se a uma mesinha, com o material de cilindros para encaixar. Retirou-os todos, e os encaixou com dificuldade. Repetiu o exercício com mais sossego, e para garantir, o fez ainda uma vez. Então, olhou para o material, retirou todos os cilindros e refez o que havia feito até então, cada vez melhor, até o momento em que atingiu o grau máximo de performance, mas então, para seu deleite, decidiu continuar a repetir a atividade. Montessori, atônita, tentou atrapalhar a garota como pode. Dedicou vários minutos a tentar acabar com a concentração da pequena: fez com que as crianças todas cantassem e caminhassem pela sala, por exemplo. E nossa protagonista nem levantou os olhos do que fazia. Absolutamente inconformada, Montessori decidiu que daria um jeito de distrair a garota. Levantou a cadeira e a mesa da menina, com a criança em cima, e transportou tudo para a outra extremidade da sala. Somente para ter dois trabalhos: o de transportá-la e o de mostrar-se ainda mais incrédula, quando percebeu que a criança sequer mexera a cabeça. Continuava, concentrada e tranquila, a desenvolver sua atividade. Montessori, incrédula como já se disse, mas sempre observadora, contou: a criança repetiu a atividade, em absoluto e ininterrupto silêncio, quarenta vezes. 4. Concentração e Autodisciplina espontâneas Na mesma linha da garotinha que repetiu um exercício quarenta vezes, está o menino que montou a Torre Rosa em uma hora. Eu o estava observando em uma sala de aula, enquanto pegava todos os cubos da torre e os colocava espalhados em seu tapete. Depois, durante a montagem, utilizou-se das mais diversas técnicas. Como a torre deveria ser montada sobre uma plataforma um pouco mais alta que o chão, o primeiro teste do garoto era ver se o cubo entrava ou não debaixo da plataforma. Os que entravam iam para um lado, e os que não entravam iam para outro. Terminada a primeira separação, começou a colocar um cubo ao lado do outro, e deitar a cabeça no chão, no nível dos cubos, para ver com clareza qual era maior. Empilhava, acertava, voltava ao chão, sério, e continuava as comparações. Assim fez até o menor dos cubos. Quando colocou a peça de um centímetro cúbico no topo da torre, ficou de pé, afastou-se, olhou para ela e sorriu. 5. Apreensão da Realidade Uma mãe com quem converso conta: Estavam ela e a filha em um supermercado destes que vendem tudo, e caminhavam pela divisão de papelaria, na época de compra de material escolar. Olhavam canetinhas, enquanto uma outra mãe com sua filha olhavam cadernos. A criança da outra família pega um caderno com carros desenhados na capa e diz à mãe que aquela é sua escolha, olhando para a capa. A mãe, olhando para o caderno, diz à filha que aquele caderno não lhe é propriado e a criança não entende. A mãe explica: esse caderno é de menino. A menina que nós acompanhamos, então, vira-se para sua mãe e expressa com clareza: mas mãe, aquele caderno não é de menino. É de carro. Nossos preconceitos impõem à realidade a ideia de o que é “de menino” e o que é “de menina”. Mas crianças educadas de acordo com um método que respeite sua natureza sabem que esta não é a realidade. A realidade é que o caderno não é de menino. É de carro. 6. Obediência / Sublimação do Instinto de Possessividade Dessa vez a professora havia organizado os alunos para que repusessem a comida da sala a cada vez que acabasse. Mas naquele dia não havia dito nada. Isto não impediu um belo acontecimento de ocorrer. Um aluno de cerca de seis anos ia comer seu lanche. Pegou um prato no qual colocou sua fatia de pão e foi servir-se de frios. Quando chegou à primeira bandeja, de peito de peru, reparou que havia somente duas fatias restantes. Depositou seu prato na mesa, foi até a geladeira, abriu, pegou uma bandejinha de fatias de peito de peru, com um garfo retirou algumas e as colocou à disposição dos colegas, na mesa do lanche. Então, devolveu a bandejinha para a geladeira e foi terminar de se servir. Chegando novamente ao peito de peru, pegou somente uma fatia e foi sentar-se. E sobre esta história desejamos fazer uma brevíssima análise. Quando o menino chegou às fatias de peito de peru, havia o suficiente para si, e poderia servir-se. Mas, pensei eu, talvez ele não quisesse deixar a bandeja vazia. No entanto, ela não se esvaziaria, de qualquer forma, já que a criança ia pegar somente uma das fatias disponíveis. Assim, encher o recipiente com uma quantidade maior de fatias foi puro amor aos colegas e ausência de egoismo. Esta história tem-me servido bem quando preciso explicar que Montessori não é um método que incentive o individualismo, mas sim um método que incentiva cada indivíduo a dar o melhor de si para todos. 7. Alegria Escolas montessorianas são semelhantes no mundo todo. Por isso, podemos fazer comparações incríveis sobre o desenvolvimento de crianças de países, e mesmo continentes, diferentes. Outra vantagem desta semelhança é que crianças podem emigrar e imigrar e continuar com a mesma abordagem educacional, cultivando a mesma alegria de aprender. Um pequeno mexicano acabava de chegar ao Brasil, e já havia passado por duas ou três escolas, sem adaptar-se completamente, quando seus pais ficaram sabendo de uma escola montessoriana em São Paulo. Apesar de a escola ficar realmente longe de onde estavam morando, resolveram tantar levar seu filho em uma visita, para ver se funcionava. A criança tinha quatro anos. Chegando à escola, o menino foi levado, com a mãe e uma diretora, até a sala onde estavam os companheiros de mesma idade. Chegando lá, não teve tempo de conversar com a professora ou de conhecer amigos. Ficou extasiado diante de um só material, dizendo, ainda à porta, admirado: “La Torre Rosa!”. Nunca soube de outra linha pedagógica que proporcionasse tanta alegria a uma criança! Pequenas histórias nos ajudam a compreender os fenômenos que se dão em salas montessorianas, e que se mostram inacreditáveis quando anunciados sem os exemplos de episódios reais. A leitura da versão completa sobre as características da normalização, no entanto, ainda é de grande ajuda, e pode ser feita no livro que citamos: "Maria Montessori: Her Life and Work", de E.M. Standing, e que custa menos de doze dólares na Amazon. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, "normalizar" significa fazer voltar ou voltar ao estado normal, à ordem, regularizar(-se).
Esta definição é especialmente interessante para nós, porque nos auxilia na compreensão do processo de normalização, considerado como o mais importante de toda a educação montessoriana. Sabemos que Maria Montessori passou a vida a observar as crianças e notou entre elas algumas semelhanças que nos surpreendem sempre. Descobriu, por exemplo, que ao contrário do que diz o senso comum, a criança não gosta de bagunça e excesso de ruído, mas que prefere ambientes organizados e silenciosos, ou com sons de fundo suaves e agradáveis. Características como essas, segundo Montessori e Standing, principalmente, mas também segundo Lillard e outros autores, são comuns a todas as crianças. Podemos considerá-las, então, universais da infância. Segundo Montessori e Standing, características como o amor à ordem, o amor ao silêncio e o amor ao trabalho seriam naturais à criança. Para frutificarem com maior beleza e expansão, a criança deveria poder estar em um ambiente preparado para ela, no qual pudesse desenvolver sua autonomia e independência, ser respeitada pelo adulto e ter possibilidades plenas de desenvolvimento e aprendizado. Um modelo deste ambiente é a sala montessoriana: tem tudo adaptado à altura da criança, com um desenho belo e uma disposição agradável ao movimento e aos olhos. A mobília é leve e os materiais são bonitos, bem construídos e pensados ao longo de anos para o desenvolvimento ideal dos sentidos dos pequenos. Assim, em uma sala montessoriana as tendências naturais da criança podem aflorar sem impedimentos e contar com a compreensão de adultos preparados, um ambiente adequado e colegas com virtudes semelhantes. Acontece, no entanto, que nem toda criança nasce em um ambiente Montessori. Em sua maioria, devido a uma falta de conhecimento sobre o desenvolvimento da infância, as crianças ainda nascem em ambientes compostos por mobília, materiais, brinquedos e pessoas que não as compreendem. Em casa é tudo alto, e as crianças dependem dos pais até para suas necessidades biológicas mais básicas. Na rua, tudo é proibido. A criança, via de regra, desenvolve-se apesar do adulto, e não com a ajuda dele. Assim, quando chegam em nossas salas de aula, preparadas para as crianças e planejadas para seu melhor desenvolvimento, elas nos chegam sem apresentar quase nenhuma das características apontadas por Montessori como sendo naturais. Nosso trabalho, então, é auxiliar esta criança a normalizar-se. O processo de normalização é uma caminhada de retorno ao equilíbrio natural da criança. Poderíamos chamar a criança normalizada de criança equilibrada. É um indivíduo que encontrou aquilo que lhe é inato e que havia perdido por ter sido submetido por meses ou anos a uma criação e educação que lhe reprimiram estas características. Entre as várias abordagens da normalidade, a mais comum é a referência à Curva de Gauss. Em compreensão e linguagem leigas, trata-se de um gráfico estatístico segundo o qual há uma quantidade considerável de pessoas que se enquadram em uma média - e a essas pessoas podemos chamar "normais", por estarem dentro da norma esperada. As outras pessoas, às marges do gráfico, estariam fora da normalidade, para mais ou para menos. Se tivéssemos uma boa curva de Gauus para o processo de normalização, veríamos uma considerável maioria das crianças cujo desenvolvimento não foi prejudicado por qualquer desvio neuronal ou químico dentro do que consideraríamos normalidade, se estivessem em uma sala montessoriana há um período razoável. Acontece, porém, que o que se dá em nossos ambientes é ainda mais radical: a quase totalidade das crianças passa pelo processo de normalização e vem a se comportar como descrito por professores montessorianos em vários locais do globo durante todo o último século. Para a compreensão deste fenômeno, insistimos: quem normaliza-se é a criança. O adulto não a normaliza. Ele somente prepara um ambiente para que o processo possa acontecer. O trabalho realizado é todo do indivíduo em desenvolvimento. Algo, nesta incrível transformação das crianças, deve ser considerado por nós. Se toda a infância, em todos os lugares, em diferentes períodos históricos, apresenta comportamentos semelhantes se é deixada em liberdade para o desenvolvimento de sua autonomia e independência em um ambiente preparado, então temos um processo que precisa ser compreendido em sua completude: trata-se do retorno da criança ao que lhe é inato e natural - ao que lhe é, portanto, normal. "Normal", segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, quer dizer: o que é usual, comum, natural. E em qualquer ambiente preparado, com adultos preparados, onde haja total respeito pela infância, é usual, comum e natural que a criança se desenvolva da melhor forma possível. Os próximos três artigos desta série serão publicados em breve e servirão ao estudo daqueles que desejarem compreender em detalhes e por várias perspectivas o processo de normalização dentro do método Montessori. Por Paige Geiger, Coordenadora dos cursos do Centro de Esucação Montessori de São Paulo
Gabriel escreveu um post ponderado sobre os motivos de se fazer um curso de treinamento Montessori. Me ocorreu em quantos níveis podemos considerar esta escolha. Quando eu entrevisto professores e estudantes universitários, profissionais interessados e o pessoal de serviços especiais, eu pergunto: “Por que estudar métodos montessorianos?” As respostas dos alunos me desafiam a pensar sobre como essa experiência e o significativo compromisso de trabalho presente neste curso irá contribuir para os diversos trabalhos que estão acontecendo com e em nome das crianças no Brasil. O objetivo deste programa de treinamento é alcançar professores e profissionais onde estejam hoje e mudar e aperfeiçoar uma nova visão sobre como as crianças aprendem. Cursos educacionais proliferam, mas não é comum encontrar uma metodologia e filosofia tão completa, profunda e eficiente quanto a proposta de Montessori. Nós do CEMSP percebemos que nem todos os estudantes de Montessori terão o privilégio de trabalhar em um ambiente Montessori autêntico no Brasil, pelo menos por enquanto. Mas, o nosso objetivo é mudar a educação, oferecendo alternativas ao status quo e influenciando todo o ensino com a pedagogia montessoriana, adequada ao desenvolvimento infantil, como já foi pesquisado e comprovado na prática. Com nosso progresso, nós esperamos ver maiores oportunidades para a prática montessoriana em salas de aula Montessori vindas dos nossos alunos. É emocionante ver que alguns profissionais do método Montessori já seguiram em frente para implementar a pedagogia Montessori em programas do setor público. Este é o objetivo do nosso trabalho: realmente influenciar tantas mentes e espíritos jovens quanto possível com os ensinamentos ricos de uma pedagogia científica singular. Um exemplo de possibilidades para a aplicação de Montessori é Camaquã (RS), onde há um programa público para a infância com a formação continuada de professores e um grupo de mentores comprometidos com este desafio. Veja o site: http://www.camaqua.rs.gov.br/003/00301009.asp?ttCD_CHAVE=236588 Outro bom exemplo de nosso trabalho é Nieke Coppelmans-Eussen, uma instrutora para CEMSP, que oferece orientação e ensino em algumas comunidades carentes de Campinas. Com materiais feitos à mão e sessões realizadas aos sábados, Nieke tem sido capaz de influenciar a vida de centenas de crianças. Solicitamos aos nossos leitores nos informar de mais programas no setor público e atualizar a informação daqueles já mencionados aqui. Estamos ansiosos para começar uma nova rodada de cursos. Comecamos olhando para nossa prática e nossas crenças, para estarmos abertos, para visualizarmos as crianças e fazermos a diferença para cada uma delas. Qual você imagina ser a sua contribuição? - “De tal responsabilidade nasce o dever de estudar e penetrar, com profundidade ciêntifica, as necessidades psíquicas da criança, preparando-lhe o ambiente necessário à vida.” (Maria Montessori) |
AutoresGabriel M Salomão foi aluno de uma escola montessoriana por doze anos. Hoje, realiza seu doutorado sobre o Método Montessori e difunde o método para escolas e famílias. Escreve sobre educação montessoriana aqui e no Lar Montessori. Arquivos
Fevereiro 2018
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